22 de dezembro de 2010

Capítulo I.5 -"Out Of My Way"

Anabela e Mário namoravam há vários anos. Desde o preparatório. Tinham agora 20 e 21 anos, respectivamente, e o que os unia era o mesmo desde o início: amor. Embora apelidados de "Os Piegas", por não hesitarem em afirmar paixão eterna, todos os respeitavam e à sua relação. Mas recentemente, Mário andava a ser "perseguido" por uma rapariga da sua turma. Ambos no 3º ano do curso de Direito, era comum irem juntos para as mesmas aulas. Juntos, como força de expressão, já que não tinham muito para falar que não fosse relacionado com o curso. Mariana era o seu nome, e parecia venerar Mário. Observava-o, sabia tudo a seu respeito, inclusive factos que não eram de forma alguma de conhecimento geral. Tinha conhecimento da morte prematura do irmão gémeo de Mário, ainda no ventre da sua mãe, no momento do nascimento. Descobrira que o pai de Mário tinha estado preso na sua juventude por ter violado uma jovem, ambos em estado alcoolizado. Sabia até que Anabela estivera já grávida do namorado, e que ambos haviam decidido abortar numa clínica em Espanha. Não havia ninguém melhor informado sobre eles que não ela. Excepto talvez pela ex-paixão passageira de Mário, Rita. Essa sim, vivia das vidas e dos acontecimentos do casal, sempre à espera de saber mais e acumulando informações. Perseguia-os, controlava as suas saídas e chegadas, sabia até quando estavam intimamente juntos. Alegava não ter um interesse romântico em Mário, mas no seu interior, ela sabia-o. Não ia perdoá-lo, nunca, por aquilo que lhe havia feito, e tinha sim um interesse especial por ele: um interesse de puro ódio, de raiva absoluta, de ambição destrutiva. Iria dizimar o casal até não sobrar a mais infíma partícula de cinza. Esse era o seu objectivo principal, e iria derrubar quem fosse necessário derrubar e quem se revelasse um obstáculo, sem misericórdia. Os seus olhos castanhos destilavam raiva a toda a hora, e nem os piropos da maioria dos rapazes a faziam pensar noutra coisa: ia conseguir. Mas primeiro, ia tirar a "amiguinha das aulas" do caminho. Aquela peste tornara-se um estorvo aos seus planos. Sabia exactamente como a atingir melhor: estudava bem os seus obstáculos. Era só esperar pela altura certa. Talvez nessa mesma tarde, quando Mariana fosse ao café... Só tinha que lhe dar os recursos. E permanecer nas sombras, é claro.

20 de dezembro de 2010

Capítulo I - "Text Me When You're Dead"

Tinha cabelos loiros. Longos, ondulados, bastos. E muito, muito loiros. Quase como se fosse sempre Verão naqueles cabelos. E tal como nos dias de Verão, às vezes chove, e a cor dessa chuva estava representada por aqueles olhos grandes e cinzentos. Profundos, cheios de cicatrizes imaginárias deixadas por sonhos mortos. Nos seus lábios havia uma permanente ameaça de agressividade; o seu famoso 'talk-back' deixara já miúdos e graúdos sem resposta.
Naquela tarde fria, Diana estava na esplanada de um café. Escrevia um relatório sobre a importância do uso das canetas de tinta permanente em cartas de teor profissional; o seu emprego concedera-lhe a função de 'Escritora de Relatórios', função que ela achava inútil. Não havia nada como a possibilidade de alimentar a imaginação e dar à luz ideias de arquitectura. Claro, isso, e sonhar.
Olhou em redor e observou os clientes. Do seu lado direito, a duas mesas de distância, duas senhoras com idade para serem avós de adolescentes conversavam animadamente sobre os cursos de faculdade dos seus netos, gabando-se da Medicina e do Direito que iam passar a fazer parte do já por si extenso histórico académico das suas famílias, enquanto beberricavam os seus chás de baunilha: iguaria que Diana nunca apreciara verdadeiramente, mas que as "avózinhas" daquela cidade pareciam considerar indispensável. No lado oposto da esplanada, a um canto, estava sentado um rapaz de ascendência africana. Francamente belo, não pôde Diana deixar de reparar. Cabelo curto, olhos verdes em forma de amêndoa, um piercing no sobrolho esquerdo. Estava com o seu portátil, e escrevia freneticamente. Usava uma camisola fina e tinha o casaco de cabedal preto vestido. A determinado momento, provavelmente sentindo-se observado, elevou o olhar na direcção de Diana. Fitaram-se durante uns segundos, ele sorriu e voltou ao que estava a fazer. Diana sorriu pra si mesma, mas não demonstrou o mínimo interesse daí para a frente. Continuou a observar a esplanada e apenas mais uma pessoa se encontrava ali: uma rapariga, provavelmente nos seus 20 anos, de cabelo negro preso numa longa trança e olhos negros como carvão. Olhava para o telemóvel que tinha na mão com uma expressão de doentia ansiedade enquanto tamborilava com as unhas da mão esquerda na mesa. Parecia aflita e receosa, a ponto de desatar a chorar a qualquer momento. O telemóvel da rapariga anunciou a chegada de uma mensagem escrita, que ela prontamente leu. Devia conter um longo texto, pois Diana conseguia ver os seus olhos a dirigir-se repetidamente da esquerda para a direita a uma velocidade alucinante, e à medida que lia, os seus olhos de carvão pegavam fogo e iam abrindo mais... Até que chegou ao fim. Por momentos parecia ter sido congelada no tempo, com o telemóvel na mão e a morder o lábio inferior. Intrigada, Diana esperou. Nada. A rapariga parecia empalhada, como o seu avô fazia com os maiores peixes que pescava. Aquela expressão de receio, de medo confirmado, de dor. Lentamente, a rapariga levou a mão até à cadeira do seu lado direito e mexeu na mala. Por breves segundos, Diana questionou-se. Mas mesmo antes de ver o que era, já o sabia. Muito rapidamente, a rapariga encostou o cano da arma à garganta, apontando para cima. E disparou.

13 de dezembro de 2010

Move on?

Entrei na sala. Estava escuro, como sempre. E frio, muito frio, como se o gelo me corresse nas veias. As lembranças do mundo dos sonhos estavam mortas, enterradas naquele quarto havia muito tempo, e com elas estavam também os restos mortais das minhas personagens. Todos eles, em estado demasiado decomposto para serem reconhecidos, estavam sob os meus pés a pedirem-me o dom da ressurreição, mas eu não lhes dei importância. Dirigi-me então à única janela da divisão e olhei lá para fora. Um nevoeiro perigoso esmagava a escuridão da noite, dando a impressão de afogar as estrelas que momentos antes cintilavam lá no alto. Um estalido de madeira pisada alertou-me da chegada de alguém. Alguém que eu estava à espera desde o fim dos sonhos. Com passos vagarosos aproximou-se de mim e falou-me ao ouvido; não me lembro das suas palavras exactas, mas sei que implicava a minha morte. Preparei-me para o que aí viesse, as últimas gotas de sanidade a fugirem-me da cara em direcção ao vazio. Senti um aperto no pescoço: duas mãos ossudas, de dedos compridos e frios, apertavam-me a garganta, e mesmo em perigo não pude deixar de evitar a comparação ridícula aos filmes em que criaturas começam a apertar cada vez mais o pescoço do herói até que algo acontece e vira todos os acontecimentos. E então deixei-me ficar, e esperei, pelo momento em que um milagre acontecesse e eu conseguisses salvar-me. Nada. Apenas o meu reflexo no vidro da janela: pálido, rodeado de sombras, vozes a sibilar ao meu ouvido, a pedirem-me que lhes desse vida novamente... Agarrei no meu último suspiro de força e parti a janela! Toda a escuridão que estava do lado de fora entrou no quarto, inundou a divisão, afogou as criaturas, lavou-me de medos e ensopou as lembranças dos sonhadores. E desapareceu. Ofegante, fui até à janela e olhei para o céu: as estrelas saudavam-me com as suas luzes cintilantes, dizendo-me que tudo havia passado e que podia então dormir em paz. Mas faltava decidir: ressuscitar, ou seguir em frente?

8 de dezembro de 2010

Podes fugir mas não te podes esconder.

Por muito que tentemos fugir de nós mesmos, o nosso eterno 'eu' perseguir-nos-á. Assim como a escuridão foge da luz, nós fugimos da verdade, mas o seu reflexo volta sempre para nos atormentar. Mesmo que seja na forma de uma bela mulher de vidro com olhos amarelos.

Sim. Elas estão de volta.

3 de junho de 2010

just because

O Guilherme morreu. A Catarina ficou presa no mundo dos sonhos.

O que escrevo aqui?, perguntaram-me hoje.

O que me apetecer. Quando me apetecer.

2 de maio de 2010

Cap. XII - Apoteose do Guerreiro II


Agulhas voavam na direcção de Guilherme. Ele esquivava-se, saltava, até que se escondeu atrás de um muro, dentro da cidade escura.
"-Sai daí, cobarde. O teu inimigo sou eu, vem e luta!"
Guilherme estava ofegante. Estavam naquele combate à cerca de uma hora, e pouco conseguira fazer para atingir Toga, a não ser quando algumas agulhas fizeram ricochete na direcção da gata branca, e Toga a foi proteger. Aí, Guilherme agarrou-o pela cauda e atirou-o para o outro lado do rio. Ao correr sobre a água, o gato cinzento transformou-se no guerreiro que havia defendido Guilherme no passado. Agora, Guilherme tinha que se defender. A não ser que acordasse. Mas isso seria cobardia. Não iria fugir.
Saiu de detrás do muro e parou, de frente para Toga. Fitaram-se. Algo em Toga estava diferente... Os olhos. Negros, e com os pontos estrelados mais brilhantes. Percebeu então o que se passava. O Sombra...
Ultimamente, revivera os últimos momentos do sonho em que Catarina morrera, mas assim que chegava ao momento em que o Sombra os atacara, tudo ficava nublado, estranhamente desfocado.
Toga atacou. Pontapé com a perna esquerda, seguido de murro com o punho direito. Guilherme bloqueava os ataques, mesmo de olhos fechados. Percebera o que acontecera com Toga. No momento em que disparara em direcção a eles, desvaneceu-se em fumaça negra e envolveu Toga, que estava logo acima. Catarina chamara a névoa, mas assim que Guilherme passou por ela, a rocha onde estava Toga quebrou-se e caiu sobre eles.
Abriu os olhos, enquanto Toga o atacava, os olhos cada vez mais brilhantes, os golpes mais velozes. Saltou e disparou agulhas sobre Guilherme, que se defendeu delas com destreza. Num movimento rápido, baixou-se e lançou-se ao pescoço de Toga. Apertou. Sabia que era o momento perfeito para aniquilar o Sombra de vez... A capacidade dele permitia-lhe viver em qualquer corpo. Não podia deixá-lo escapar.
Acabou com tudo num segundo. Toga, com a cabeça num ângulo estranho, caiu no chão. Só faltava a pequena gata branca. Guilherme olhou para o fundo da rua; lá estava ela, à entrada do beco. Correu para lá, mas os seus movimentos pareciam mais lentos que o costume. Olhou para uma janela. Os seus olhos apresentavam uma cor mais escura que o habitual, com pequenos pontos estrelados a aparecerem na íris. O Sombra. Começou a sentir o corpo mais pesado, os pulmões a ficar sem ar... Sentiu a vida a escapar-se pelos dedos, o seu ser absorvido pela vontade psicótica do Sombra. Olhou para a gata.
"-Não devias ter confiado em mim. Foi a tua ruína. Adeus.'
Caiu de joelhos. Sangrava pelos olhos, e o sangue era negro. E a dor era imensa. E o fim estava ali.
E o Campeão caiu.

25 de abril de 2010

Cap. XI - Apoteose do Guerreiro I


Olhava em frente, fixamente. A rua estava deserta desta vez. Aliás, estava sempre deserta, à excepção da noite em que lutara contra aquela mulher. Reviu todos os momentos, sabia que naquele sonho se encontrava uma pista que explicasse o porquê da morte de Catarina. Havia algo que não batia certo, algo pelos vistos imperceptível mas que Guilherme compreendia duma forma inconsciente.
Passos vindos do beco ecoavam pela rua. Respirou fundo e fechou os olhos. Não podia ser; não de novo. Ela era apenas produto da sua mente, do seu cérebro, da sua saudade. Os passos aproximavam-se, mas Guilherme manteve-se na mesma posição. Se não pensasse nisso, a ilusão desapareceria.
"-Por que estás aqui?"
A voz de Catarina soou como a melodia duma harpa num dia de chuva. Triste, nostálgica... Perfeita. Guilherme virou-se e abriu os olhos. A três passos, uma espécie de holograma fantasmagórico sorria-lhe ternamente. Os cabelos negros e azuis, os lábios carnudos e vermelhos, a pele suave e sem defeitos. Uma agonia enraízou-se no seu coração, envolvendo-lhe a visão e a mente. Sentiu-se tonto, mas manteve-se firme, por ela. Devia mostrar que era forte, que era guerreiro. Um guerreiro campeão.
"-O que estás aqui a fazer? Não é este o teu lugar." repetiu ela.
As lágrimas toldaram a visão de Guilherme. Não podia embarcar na ilusão, não podia aprisionar-se a sentimentos de perda que o levariam a perder-se de vez. Chamou a si toda a calma que conseguiu, e falou.
"-Não. Tu é que não pertences aqui. És apenas uma ilusão, não existes mais. És um sonho. Sonhaste sem me avisar, mas eu encontrei-te. Não devias ter fugido daquela forma de trás de mim... Ao morrer, acabaste com a minha vida também."
Ela continuava a sorrir. Uma assombração linda, incólume. Como sempre a conhecera. Suspirou, enquanto mexia nos longos cabelos, e olhou para eles.
"-Não. Estás errado. Deves viver. Mas não aqui, não neste lugar. Não é aqui que pertences."
"-Pára de repetir isso!! Eu pertenço onde quer que vá, eu sou o Campeão deste Mundo!!"
Catarina soltou uma gargalhada arrepiante. Malévola, trocista.
"-O campeão de um mundo, que nem o amor da sua vida conseguiu salvar. Não posso nem imaginar o que será de um mundo inteiro, tendo um falhado como campeão." - olhou para ele de repente, os olhos inundados de raiva - "-Não vales nada. Não me conseguiste salvar a mim, nem à tua irmã, quando eras pequeno. Não consegues salvar ninguém. Nem uma mera sombra conseguiste derrotar. O teu poder baseia-se numas luvas de pedras preciosas e nalguma inteligência.. Ah! Pronto para me fazer desaparecer, é?"
Guilherme materializara naquele momento as luvas cobertas de jóias nas suas mãos. Tinha o coração a transbordar ódio. Não por Catarina, mas por si mesmo, por não ter sido capaz de salvar a mulher que amava, nem a irmã que sempre protegera. Olhou para Catarina e sentiu outra tontura. Fechou os olhos, respirou e voltou a abri-los. Ela já não estava ali. No seu lugar, uma pequena gatinha do mais puro branco, miava e ronronava enquanto se roçava nas suas pernas. Na sua testa, uma pequena mancha azul brilhava. Guilherme baixou-se para lhe tocar, mas ela afastou-se. Ele tentou de novo, mas a gata assanhou-se e os seus pêlos tornaram-se enormes agulhas, afiadas e prontas a ser disparadas. Do beco, outro gato veio, este prateado e maior. Toga. Também ele se assanhou, mas não afiou o pêlo. Observava apenas fixamente Guilherme, enquanto se punha à frente da pequena gata branca. Os olhos de Toga... Azuis escuros, mas com pequenos pontos brilhantes "dentro" deles. Toga avançou, a miar como quando os gatos vão atacar outros gatos, e Guilherme preparou-se. Lutar contra Toga seria aterrador. Desenvolvera um sentimento de companheirismo por ele, considerara-o um aliado. Mas agora, neste momento, não tencionava perder.

20 de abril de 2010

Cap. X - O som do adeus


Na sala, Catarina permanecia deitada. À espera. Tentava perceber se o copo era real, se a sala era real, se ela era real. Não tinha coragem para se levantar. Tinha medo, muito medo, de ter ficado presa no outro mundo. O mundo que visitara tão ocasionalmente, quase de forma extravagante, de forma inconsequente, de forma perigosa. Respirava pausadamente. Se estivesse no mundo dos sonhos, qualquer movimento brusco poderia despoletar uma variedade de reacções em efeito dominó. Com a mão esquerda beliscou as costas da mão direita. Doeu. Olhou lentamente em redor; a sala permanecia imaculada. Tentou então materializar a névoa, fechando os olhos e parando de respirar. Dentro dela, uma ansiedade esmagou-lhe o coração, já ele envolto em medo. Abriu os olhos e expirou, aliviada. Nada. Estava no mundo real, na divisão ao lado do quarto, onde adormecera havia três horas, como pôde constatar pelo relógio digital do leitor de dvd. Levantou-se e dirigiu-se ao quarto. Abriu a porta. Guilherme continuava a dormir. Parecia nem respirar, tal era calmo o seu sono. Catarina sorriu. Deitou-se ao seu lado e abraçou o seu corpo destapado. Estava calmo. Catarina beijou-o no pescoço, aliciando-o a acordar. "Guilherme", sussurrou-lhe ao ouvido. De repente, Toga apareceu-lhe na mente. Sentiu perigo. Agarrou-se a Guilherme e fechou os olhos. Queria esquecer, nem que fosse por instantes, aqueles sonhos malditos. Queria dormir, não sonhar, estar com o amor da sua vida...

As luzes da ambulância acordaram Guilherme. Uma tragédia. Saiu do quarto para descobrir Rodrigo na sala, a chaise-longue rodeada de paramédicos e polícias. Olhou para Rodrigo, que não conseguiu olhá-lo nos olhos. Avançou para a causa das visitas indesejadas.
Catarina. Serena, calma, como que adormecida. As suas madeixas azuis estavam perfeitamente alinhadas com o resto do negro cabelo. Parecia pronta para ir para a faculdade. Guilherme sentiu o coração a ficar pequenino. O médico-legista declarava naquele momento "morte natural", mas Guilherme fixara-se numa linha brilhante no peito de Catarina. Uma linha brilhante, prateada, comprida. Como um pêlo de gato. Um copo caiu e partiu-se, assim que Guilherme recuou. A sua vida, acabada.

19 de abril de 2010

Origens

Uma visita ao início. O começar de novo das nossas vidas, definitivamente fora da bolha, motiva-nos a sermos melhores. A sermos (lá está) pacientes, compreensivos, ponderados, expectantes. Amigos. Poder retornar ao zero seria perfeito. Poder voltar a sonhar, sem se ser julgado como num tribunal de consequências, sem medo daquele e daquela, imune à deturpação da mente. Sorrir só porque sim, porque estamos felizes, porque a vida nos sorri de volta, porque os amigos não nos traíam e o veneno era exclusivo das cobras, escorpiões e outros que tais.
A janela. A brecha da bolha. Onde o mundo se mostra a nós como é para os outros. Cruel, indeciso, confuso. As acções, o sibilar encharcado em veneno, os olhares que lançam flechas de raiva, a importância do fútil.
A nossa visão das coisas, o não querer saber, a superioridade, o altivismo. É como uma sueca: devemos jogar em equipas, pensar que o parceiro pode até ter um bom jogo mesmo que o nosso nos pareça desesperante, e na próxima ronda quem sabe sejamos nós a ter os melhores trunfos na mão. Dar algo de valor quando a vaza está garantida, sentirmo-nos enganados quando é cortada, contar e planear o que jogar. Mas ser capaz de, no meio disto tudo, manter conversas com pessoas que não jogam por opção, que preferem ter as mãos livres e as mentes desocupadas.
Na origem de tudo o que nos rodeia, o que permanece para nós, somos nós mesmos. Os momentos, as ideias, até mesmo as bebedeiras ficam, alturas em que sorrimos e rimos e por vezes até choramos. Uma sigla que nem mesmo tu conheces fica na minha mente, de hoje para sempre. JBFPPM. Para mim, significa "origem".

16 de abril de 2010

atalhos

Chegar, falar, conhecer. Rir e olhar nos olhos, sorrir e desviar o olhar, sem medo mas com algum pudor. Timidez à flor da pele, que bloqueia e inibe, que desaparece apenas com o toque sublime. Um beijo. Dois. A emoção do novo mundo, as palavras reconfortantes, a preocupação, o bem-estar, a sensação de querer mais. Não vás pelo atalho, segue o caminho que está mesmo diante de ti. Conta-me como é o teu mundo, o que faz de ti alguém tão poderoso, se há lugar para mim. Abraça o sorriso e abre as portas à chegada de um novo habitante. Espera, sorri, constrói.
Ser paciente. É ser melhor, mais inteligente, mais tolerante. É ser mais.

13 de abril de 2010

another dejá vù

Morte. Desespero.
Morte. Esperança.
Saudade. Vida. Alguém.
Um aperto, uma aflição. Um coração.
Mágoa, sentimentos que rodopiam em torno do meu 'eu' perdido no oceano, no epicentro do caos, sem ajuda. Só.
Lutar, guerrear, vencer, desistir, desesperar, morrer.

Os teus olhos são lume, são carvão a arder, são fogo azul que consome o meu ser, são dor, são raiva, são prazer. Carbonizam a mente e varrem as memórias. Cinza putrefacta, com cheiro a maldade, com cor de saudade, perfeita e sem idade.
Explode a alma, que estilhaça e se desfaz, descendo pelo caminho da ilusão, atravessando o turbilhão de ironias e embatendo contra o chão, desistindo de sonhar, não querendo mais amar, rendendo-se à desilusão. Rasga o ódio, parte a dor. Despede-te do amor.

2 de abril de 2010

Cap. IX - Escada


O hall de entrada não tinha nada para além de uma cadeira raquítica de frente para a porta, e um castiçal de parede com uma vela apagada. A pouca luz que passava através da janela chocava contra a cortina escura, dando ao hall um aspecto sombrio. Catarina avançou para lá da velha cadeira e observou o corredor. Teias nos cantos das paredes, um tecto sem candeeiros e pintado de verde amarelado. O corredor era comprido e tinha portas e mais portas de ambos os lados. Ao fundo, uma escadaria em caracol alcançava o primeiro andar. Avançando, cada porta lhe transmitia uma sensaçao diferente. Alegria, medo, inocência, ansiedade, terror, loucura. Achando mais prudente não entrar em nenhuma divisão, chegou às escadas e olhou para cima. Tudo escuro, era como se a meio houvesse um lençol negro que não lhe permitia ver o que se seguia. Ouviu o miado. Inspirando coragem, começou a subir os degraus de pedra, e assim que alcançou a escuridão, susteve a respiração, e continuou. Abriu os olhos e deparou-se com um espaço completamente diferente daquilo que pensara poder encontrar.
Estava num amplo espaço de pedra que a fazia pensar em masmorras de um qualquer distante castelo. As paredes gastas e esburacadas estendiam-se ao longo de muitos metros quadrados, e não se percebia bem de onde vinha a luz. Parecia emanar do ar em si, das pedras, dela mesma. Subiu o último degrau e deu dois passos em frente. À sua direita, duas dúzias de degraus convidavam-na a visitar o patamar inferior. Outro miado. Vinha de baixo, e sem pensar, Catarina desceu rapidamente a escadaria de pedra velha. Chegando lá abaixo, varreu a área com o olhar, em busca do gato. Dirigiu-se a uma zona mais alta, rodeada de ferros pontiagudos, e tocou-lhes. Nesse mesmo momento, um grito ecoou da sua pele, um grito estridente e arrepiante. Outro miado. Olhou para os seus pés, e por baixo de si, numa câmara transparente, estava Toga na sua forma humana. Parecia falar, mas a única coisa que se ouvia eram miados ocasionais.
"-Não te preocupes, vou tirar-te daí!". Procurou algo pontiagudo que pudesse partir aquele vidro cinzento e duro. Puxou um dos ferros com a mão direita, e do seu braço saiu novo grito, desta vez mais estridente, mas Catarina ignorou-o. Não tinha medo de gritos. Bateu com o ferro uma, duas, três vezes. O vidro começou a estalar. Toga fez-lhe sinal que se afastasse, e ao mesmo tempo começou a brilhar. Assim que a viu recuar, Toga lançou milhares de pêlos-agulha que anteriormente não haviam tido efeito, mas que agora partiam o vidro que o aprisionava. Saltou para fora, e assim que aterrou, eriçou-se. Não estavam sós.
"-Põe-te atrás de mim, temos companhia. Não largues esse ferro!"
Catarina obedeceu, e começou a ouvir um barulho de asas ao longe. Esperaram. O ruído parecia aproximar-se deles a alta velocidade. De repente, nada. E depois, vindo não se sabe de onde, algo caiu perto deles e explodiu. Toga caiu com Catarina nos seus braços, desviou-a de si e saltou para a luta. Catarina demorou a perceber que estavam a ser atacados por estranhos animais parecidos com cães, mas não o eram. Toga defendia-se de todos eles, e Catarina sentiu que devia ajudar. Concentrou-se, materializando pequenas névoas ao redor de Toga, e gritou-lhe que os atirasse contra elas. Ele assim fez, e assim que tocavam nas pequanas fumaças, desapareciam antes de as atravessar, como se tivessem caído num buraco. Com o ultimo "cão" a ser lançado e a desaparecer, seguiu-se um breve momento em que se sentiram seguros. Quebrando esse momento, o Sombra dos olhos estrelados sobrevoava aquela espécie de gruta, parando no topo das escadas. Catarina e Toga prepararam-se para o confronto, mas o Sombra limitou-se a observá-los. Foi então que Catarina teve uma ideia: assim que ele os atacasse, ela lançar-lhe-ia uma névoa que o transportaria para outro sonho. Toga não resistiu à pressão e lançou-lhe pêlos-agulha; o Sombra reagiu e saltou, e Catarina chamou a névoa, que o envolveu. Sentindo-se vitoriosa por alguns segundos, baixou a guarda. A névoa desapareceu e no lugar do Sombra estava um corpo humano, que caiu com estrondo no chão de pedra, perto da entrada pela qual ela passara antes de chegar aos degraus. Sustendo a respiração, Catarina deu dois passos na direcção da escadaria. Toga mantinha-se em alerta, preparado para pôr os seus reflexos a trabalhar.
O corpo levantou-se antes que Catarina começasse a subir os degraus, e ficou hirto. Estava nú, mas imperceptível. Começou a descer as escadas a alta velocidade em direcção a eles, e no momento em que alcançava Catarina, um brilho colorido atingiu o corpo na cara, atirando-o contra a parede. Guilherme estava ali, com as suas luvas preciosas, ar de guerreiro, a alma de um Deus. Toga saltou e equilibrou-se numa viga da parede; o efeito surpresa deveria ajudá-los de alguma forma, e o corpo não tinha cara, o que lhe deu a sensação que ele não os via, apenas sentia as suas presenças.
O corpo começou a mover-se e a levantar-se. Catarina e Guilherme recuaram, e Toga eriçou o pêlo, pronto para atacar.
Um copo partiu-se, e Catarina acordou.

27 de março de 2010

Cap. VIII - A Preto e Branco


Sem fazer barulho, Catarina levantou-se da cama e dirigiu-se à sala. A casa estava praticamente vazia: Rodrigo fora passar a primeira semana de férias a Macau, e os outros dois com as respectivas famílias. Guilherme dormia profundamente.
Ela não conseguia parar de pensar em tudo o que acontecera naquele maldito "Beco da Estrela", na noite do encontro com o homem-gato. Aquela mulher assustadora, sem alma; as crianças que Guilherme descreveu, quando acordaram; o Sombra que desapareceu assim que ficou 'one on one' com Guilherme. Achava que havia uma ligação, mas não conseguia descobrir qual. Sempre que pensava naquela noite, ficava com muito medo. Apercebeu-se que desde a primeira vez que a vira, o Sombra a queria manipular de alguma forma, talvez atacá-la de novo.
Instalou-se na chaise-longue da sala e relaxou. Tinha que voltar a encontrar Toga. Questioná-lo sobre tudo; ele sabia mais que aquilo que mostrava saber, e disso ela tinha a certeza. Fechou os olhos, com o luar a afagar-lhe o rosto...

Deu por si a acordar com um forte cheiro a morangos. Estava tapada com cobertores, o que era estranho; não se tinha tapado antes de adormecer. "Guilherme", pensou, com um sorriso a aflorar-lhe os lábios. Levantou-se e dirigiu-se ao quarto, desiludida por não ter conseguido sonhar. "Deve ser do cansaço..." constatou, deitando-se ao lado do namorado. Assim que se tapou, começou a sentir um calor tão abafado que não aguentou dois minutos tapada. Deixou-se descoberta, e começou a recear estar com febre. Levantou-se novamente, desta vez dirigindo-se à casa-de-banho, mas assim que saiu do quarto deparou-se com uma divisão completamente diferente. Era uma espécie de grande salão, decorado para um copo-de-água, mas parecia estar assim à muito tempo e nunca ter sido usado. O bolo de casamento, coberto de chantily e morangos, estava em cima da mesa mais central, rodeado de pratos de sobremesa e copos de champanhe meio cheios. As mesas dos convidados, perfeitamente decoradas com centros de mesa, ostentavam um ar requintado e ao mesmo tempo sombrio, já que a loiça era ornamentada a preto e vermelho sangue. Caminhando por entre as mesas, reparou também nos candelabros de cristal, que emanavam uma luz fraca e intermitente.
Do quarto veio o som de algo a partir-se. Um copo, talvez. Catarina dirigiu-se para lá de novo. Porta trancada. Bateu, tentou falar, mas não tinha voz. Olhou em redor mas a porta do quarto era a única que ali estava. Foi então até uma janela, mas assim que se encostou a ela, sangue começou a escorrer pelos vidros, assim como pelos candelabros e centros de mesa. O bolo vertia sangue pelos enfeites, e as toalhas das mesas ficaram ensopadas em menos de nada. Catarina começou a entrar em pânico e tentou gritar. Nem um som. Entrando em desespero, sentiu-se estúpida ao finalmente se lembrar da névoa; fechou os olhos e concentrou-se. Sentia o sangue a encher a sala, a chegar-lhe aos tornozelos... A névoa não aparecia e ela começou a tremer de esforço: tinha que sair dali. Acalmou-se, respirou fundo e, enquanto o sangue lhe chegava aos joelhos, concentrou-se mais uma vez: o homem-gato, o beco da estrela, o rio no meio da praçeta. Quando conseguiu finalmente materializar um pouco da névoa, não pensou duas vezes e saltou na sua direcção.
Caiu dentro do rio. Nadou até à superfície e saiu da água completamente seca. Olhou em redor e estava na mesma rua onde se dera o confronto com o Sombra. Estava deserta, à excepção dela mesma e do vento agressivo que ali passava. Mesmo assim, Catarina não se sentia sozinha. Era como se dezenas de pessoas lhe fizessem companhia, apertando-se umas contra as outras. Vagueou rua abaixo, passando pela entrada do beco, na direcção contrária ao rio. Deu-se então conta que naquele espaço, tudo era a preto e branco, excepto o rio e o céu. As casas, cinzentas e mortas, serviam como muros de um labirinto. Quanto mais Catarina andava, mais sentia que devia caminhar mais rápido, até chegar ao ponto de alternar entre passo rápido e corrida. Virou à esquerda e começou a descer a rampa. A meio, ouviu um miado familiar. Era rouco e arranhado, quase como um chamamento. Parou para ouvir. O som vinha de uma casa de 2 andares que estava mesmo atrás de si, rodeada por velhos muros de pedra, com um portão de tinta descascada. Sentia o corpo a tremer como se tivesse frio, o cérebro a recear o que ia encontrar, o medo a correr-lhe nas veias. Empurrou o portão, que se abriu sem dificuldade, e passou para o lado de dentro. Encostou-o, subiu cautelosamente os dois degraus que a separavam da entrada, e tocou à campaínha. Não se ouviu nada. Bateu à porta três vezes, e a porta abriu-se. Estava destrancada, mas mesmo assim ninguém veio atender. Arrependendo-se de cada passo que dava, mas apostada em descobrir a origem daquele miado, seguiu em frente, fechando a porta atrás de si.

25 de março de 2010

Cap. VII - Confronto


"-O beco é um sítio... invulgar. Não te admires se coisas estranhas - mais estranhas que o normal - acontecerem, mesmo à tua frente. Concentra-te apenas no nosso objectivo e deixa o resto connosco."
Catarina olhou para Rodrigo. Conhecia-o desde que começara o namoro com Guilherme, e tinha por ele um grande respeito. Não sabia bem se o respeitava pela forte amizade que o unia ao seu namorado, se pelo facto de se parecer muito com o seu pai, em termos de personalidade e carácter. Nunca deixara de achar fantástico que o facto de um rapaz tão meigo e simpático pudesse ter uma habilidade tão agressiva. Rodrigo derrotava qualquer animal, pessoa ou ser que o atacasse, ao se tornar de tal forma violento que poderia destruir qualquer coisa com apenas um golpe. A essa habilidade era dado o nome de "Rasga-Espíritos", e Rodrigo era apenas o segundo Sonhador conhecido que mostrava saber usá-la.
"-Sem problema. Deixem comigo, eu vou encontrá-lo."
Passou por ele e por Guilherme e pôs-se mesmo em frente à névoa. Baixou a cabeça e concentrou-se no gato. Sabia que provavelmente estaria no beco, mas não tinha a certeza. Lembrou-se de outras vezes em que usara a sua habilidade, "Busca-Almas", e como isso tinha funcionado tão bem. Excepto quando tentou encontrar a sua amiga, Diana. Aí, deparara-se primeiro com duas raparigas apenas parecidas com ela. A visão de tal situação era horrível... A rapariga pendurada sobre a abertura do vulcão parecia estar a sofrer horrores, e no entanto a outra não fazia nada para além de rir e chorar, simultaneamente.
Abriu os olhos e começou a ver de novo o beco, mas um pouco diferente. Desta vez emanava tanto calor que Catarina teve que franzir os olhos. Fez sinal para que a seguissem e sentiu Guilherme a pôr-lhe a mão no ombro. Já tinha as luvas preciosas postas, e a sua alma estava determinada a derrotar o que quer que os atacasse. Passaram pela névoa, que entretanto ficara avermelhada, e chegaram ao beco. Desta vez, estava mais iluminado e puderam ver uma placa suspensa no ar, escrita com o que deveria ser o nome daquele sítio. "Beco da Estrela". Catarina pensou automaticamente no Sombra com olhos estrelados, e no medo que este lhe inspirava.
De repente, uma mulher com um vestido azul escuro e cabelos longos e negros, passou ao fundo do beco. Guilherme passou pela namorada como uma flecha para alcançar a mulher, virou a esquina e desapareceu. Catarina seguiu Rodrigo, que se adiantou, viraram para o mesmo sítio que Guilherme e pararam.
"-O que é isto?", perguntou ela, estarrecida.
Estavam em frente a um rio, e travava-se uma luta em cima da água. Ele atacava e a mulher esquivava-se, fazendo com que ele voltasse à carga.
"-Ela não é humana. Sentiste isso, certo?"
"-Claro que sim, mas... Eles estão a lutar em cima de água."
Rodrigo sorriu.
"-Eu avisei que era provável que víssemos coisas demasiado estranhas...". Parou de falar, e Catarina olhou para ele. Estava a olhar em frente, mas não para o amigo e a mulher. Mais além. Ela seguiu-lhe o olhar e sentiu a ansiedade a crescer, juntamente com o medo. Na outra margem, uma sombra com olhos brilhantes fitava-os.
Viram a sombra disparar em direcção ao céu, e descer até aterrar à frente deles. No momento seguinte, Rodrigo agarrou o Sombra pelo pescoço e atirou-o ao chão.
"-VAI!"
Catarina ia voltar para o beco a correr, mas assim que deu dois passos, tropeçou e caiu. Olhou e deparou-se com um gato de pêlo afiado, assanhado contra o Sombra. No rio, Guilherme acabara de desferir um golpe de tal magnitude que acabara de desfazer a mulher em trapos. Ela começou a afundar-se, e ele desatou a correr para ajudar o amigo. Assim que chegou lá, teve que se desviar de centenas de agulhas que voaram em direcção a ele. Quando olhou, Catarina estava atrás de um homem com roupas prateadas, parecidas com verdadeiro pêlo, mas cobertas de milhares de finas agulhas, todas elas direccionadas para a luta que estava a decorrer mesmo à sua frente.
Rodrigo lutava com o Sombra, de igual para igual. Ambos usavam vários tipos de luta para ganhar vantagem, mas em vão. Era como lutar contra o reflexo de um espelho. Espelhos... Mais agulhas foram disparadas contra o Sombra, e ele desviou-se.
"-Catarina", disse Guilherme, dando-lhe a mão, "tens que fugir daqui com ele. Eu sei como derrotá-lo, mas vocês não podem estar por perto."
"-Eu fico contigo".
Guilherme olhou para o homem-gato. Sentia que podia confiar nele, e aceitou a oferta.
"-Vai e leva o Rodrigo, eu fico com o...".
"-Toga" completou ela.
Guilherme sorriu.
"-É A MINHA VEZ", e acelerou em direcção ao Sombra. Rodrigo desviou-se e Guilherme começou a luta. Catarina agarrou no braço do amigo, passou pelo homem-gato e disse "-Ajuda-o", e entrou no beco.
Toga saltou, gritou "Ei!" e flamejou agulhas para cima de ambos os lutadores. Completa a distracção, Guilherme recuou com um salto, entrelaçou as mãos e correu contra o inimigo. Assim que chegou, o Sombra desapareceu. Toga aterrou com a graciosidade de um gato. "-Assim nunca vais conseguir derrotá-lo. Agora sai daqui, já aconteceu demais para uma só noite". E desapareceu também. Agradecendo mentalmente, Guilherme dirigiu-se ao beco. Parou mesmo antes de entrar para observar duas meninas que brincavam no meio da rua. Uma fazia o pino sobre um buraco vermelho, e a outra sorria e pulava em redor.
"Não há nada como ser criança", e virou costas, sem reparar na lava que começara a encher o buraco, consumindo os braços da menina que fazia o pino.

24 de março de 2010

Cap. VI - Olhos da Verdade


Guilherme chegou a casa por volta das 15h. Catarina estava sentada em frente à secretária da sala, a ler. Sentiu o ar pesado a pressionar-lhe a alma, o que lhe deu motivos para respirar fundo e chamar a si toda a calma do mundo. Aquela seria uma conversa complicada mas, na pior das hipóteses, discutiriam apenas durante umas horas. Pousou o saco de viagem e o casaco preto que tivera de comprar em França para o funeral da sua avó, dirigiu-se a ela e beijou-a. Beijo retribuído, Catarina levantou-se e pôs-se de frente para ele.
"-Temos que falar." disse ela, acorrentando o seu olhar ao dele.
"-Eu sei. Antes de mais, não quero que retenhas nada sobre o que tenhas a dizer só porque vim do funeral de um familiar. Eu e ela não éramos muito chegados, e sabes tão bem quanto eu como ultrapasso rapidamente perdas desta gravidade.".
Catarina anuiu. Sentia-se pessimamente por fazê-lo ter uma conversa tão séria dado os recentes acontecimentos familiares, mas não podia adiar, ou a situação tornar-se-ia uma ferida que jamais fecharia.
"-Explica-me exactamente por que é que, ao te querer encontrar a ti, me deparei primeiro com aquelas sombras.".
"-Isso é o ponto mais perigoso desta conversa," disse Guilherme, sentando-se "e poderá deixar-te furiosa, mas peço-te que sejas receptiva à minha explicação. O motivo pelo qual isso aconteceu foi o facto de eu ter estado naquele lugar breves momentos antes de apareceres. Senti uma presença e materializei-me noutro sonho completamente aleatório, e quando dei por mim estava completamente rodeado de sombras animalescas. Usei as luvas preciosas e quando consegui escapar já só tive tempo de me materializar de novo no beco e gritar-te que fugisses."
Catarina sentou-se ao lado dele no sofá.
"-Mas não percebo... Como é que te apercebeste finalmente que era eu quem estava no beco se ao início fugiste? E ainda não entendi por que é que achas que me iria zangar, não me contaste nada de grave."
"-O que aconteceu foi que eu me apercebi logo ao início que quem estava a entrar no sonho do beco eras tu, e senti também que o estavas a fazer através da névoa... Tentei levar-te para um local que não aquele, para que não fosses atacada por eles. Parece que não fui suficientemente rápido, e tu acabaste por lá ficar na mesma."
"-Mas o que estavas tu lá a fazer? E quem eram eles?"
"-Ainda estamos a tentar perceber quem são. Eu e o Rodrigo estávamos lá, mas ele evaporou uns momentos antes de eu sentir a tua chegada, e ainda não consegui comunicar com ele de forma adequada. Sei apenas que está bem. Quanto ao resto, a única coisa que te posso afirmar é que os Sombras que lá estavam são definitivamente pessoas que conhecemos, porque pela forma como falavam de nós deu para perceber que nos conhecem muito bem. Pelo menos o que te atacou tem que ser alguém muito próximo."
A sombra que a atacou... Aqueles olhos estrelados que a aterraram, que a deixaram sem ar e a encheram com uma sensação de pânico e desespero.
"-Os olhos da verdade" começou Guilherme, "são das armas mais temidas do mundo dos sonhos. Se te fixarem por tempo suficiente, podem apoderar-se da tua consciência e destruir a tua alma. É das poucas formas conhecidas de um Sonhador se apoderar do corpo de outra pessoa. Podem inclusive sair completamente do seu corpo actual e permanecer no corpo roubado, por tempo limitado ou ilimitado, e por isso, apenas dois Sonhadores possuídores de Olhos da Verdade em toda a História que nos ensinaram foram eliminados por outros Sonhadores."
Catarina levantou-se e resolveu falar de tudo.
"-Havia um gato. Parecia-me familiar."
"-Um gato?". Guilherme levantou-se e começou a andar pela casa, com Catarina a segui-lo. "-Tens a certeza? Eu não me lembro de nenhum gato... Como era?"
Ela descreveu-o o melhor que pôde, sem se esquecer de mencionar os pêlos-agulha após o salto do animal para os caixotes empilhados no beco.
Parado no meio do quarto, Guilherme virou-se para Catarina e olhou-a nos olhos.
"-Esta noite vamos lá voltar. Esse gato intriga-me, e gostava de descobrir mais. Vou ligar ao Rodrigo."
Catarina recordou os olhos estrelados e engoliu em seco. Não sabia bem porquê, mas tinha a certeza que iriam ser reveladas mais peças do enigma. Seguiu Guilherme, enquanto o fio de pêlo do gato de olhos prateados se tornava afiado e recto como uma agulha e caía da sua manga, só para aterrar silenciosamente no tapete. Em alerta.

20 de março de 2010

Cap. V - Pânico


Em frente à névoa, Catarina concentrou-se em encontrar Guilherme. Duas pessoas na penumbra conversavam. Um deles era Guilherme, tinha quase a certeza. Mas e o outro? Aproximou-se, cuidadosa. Ouviu um gato ao seu lado miar: pêlo cinzento azulado e olhos prateados. Estava sentado nas patas traseiras, mas parecia pronto a saltar a qualquer momento para cima de caixotes partidos, onde podia estar fora de alcance de alguém que o tentasse agarrar. Uma voz desconhecida, grossa e rouca, abordou a sua audição.
"-Desde que ela entrou na vida dele, tu estás distraído. Não te podes nunca esquecer do teu objectivo, ou eles..."
A outra sombra moveu-se. Catarina apercebeu-se que fora descoberta, e teve a sensação de estar enganada em relação à sua identidade: aquela sombra era alta demais para ser Guilherme...
"-FOGE!!". Catarina olhou para a esquerda e viu Guilherme, à entrada dum beco, a olhar directamente para ela. O gato assanhou-se, bufou e saltou para cima dos caixotes, com o pêlo todo eriçado e a brilhar, de forma a que parecia estar coberto de agulhas afiadas. No segundo seguinte, sentiu uma pequena brisa e estava encurralada pela sombra que achava ser do namorado. "-Não vais escapar", disse o desconhecido. Agarrou-a pelo braço e, onde era de esperar que estivessem os seus olhos, abriram-se duas fissuras estreladas. Ela olhou directamente nelas... Começou a sentir falta de ar, como se os pequenos pontos brilhantes dos "olhos" da sombra estivessem a sugar o oxigénio que os rodeava. O medo que a invadiu deu-lhe a sensação de estar a ser possuída, não tinha controlo sobre si mesma. Ouvia passos de corrida, o gato a miar... Sentiu a cabeça a estalar de dor, a gravidade a ficar pesada, e tão depressa como tudo começou, acabou.

Acordou. Estava na sua cama enrolada nos lençóis, em posição fetal. Sentia picadas no peito, estava ofegante e tinha a chamada "dor de burro" a apunhalar-lhe o lado esquerdo, como se tivesse corrido durante horas, mas sem uma gota de suor. Libertou-se dos lençóis, levantou-se e abriu a janela: estava um dia ensolarado de Primavera. Inspirou o mais fundo que as dores lhe permitiam uma vez, duas, três. Acalmou-se, sentou-se no puff preto que tinha perto da janela e relaxou. Recordou o sonho: sombras de dois homens, Guilherme a gritar e a correr para a salvar, pontos brilhantes como estrelas...
Tocou o telemóvel. Catarina abriu os olhos e deixou tocar. A música padrão do seu novo Nokia dançava pelo quarto, e à terceira chamada Catarina decidiu ir atender. Guilherme.
"-Estou, Catarina? Diz-me por favor que estás bem. Vou apanhar o próximo vôo para Portugal, mas quero saber como estás."
Catarina respirou fundo e começou a chorar silenciosamente. "-Falamos quando chegares", e desligou. Havia muita coisa para esclarecer, vidas a decidir. Sentou-se de novo e, erguendo a barreira habitual contra Sonhos, adormeceu sem reparar num fino fio de pêlo cinzento azulado caído na sua camisola branca.

Cap. IV - Gémeos


Catarina tinha acabado de desligar a chamada com a irmã e preparava-se para dormir, quando recebeu uma sms. Diana: "Esta noite acho que vou sonhar". Não queria deixá-la sozinha, sabia que a melhor amiga estava numa situação desesperante: mãe no hospital, pai alcoólico, irmão na droga. Catarina respondeu "Não estás sozinha", e deitou-se. Sentia a ausência de Guilherme. Ele tinha ido visitar a avó que estava muito doente e vivia em França, e ela não iria dizer que não, pois percebia perfeitamente a situação, mas não conseguia disfarçar as saudades. Podia sempre vê-lo em sonhos, mas não era a mesma coisa. Por vezes, nem era mesmo ele; apenas imagens desesperadas da sua mente. Adormeceu...

Uma névoa densa pairava á sua volta. Ela sabia que encontrar Sonhadores era uma capacidade rara, e exigia controlo sobre a névoa. Fechou os olhos e concentrou-se em Diana. Primeiro visualizou duas raparigas parecidas com a amiga: uma estava pendurada de pernas para o ar sobre um vulcão, por uma corda de ferro. Parecia gritar, mas em silêncio. A outra estava a rir-se à beira da abertura do mesmo vulcão, mas chorava ao mesmo tempo. Decidiu não fazer nada; já estava familiarizada com as armadilhas daquele mundo. Concentrou-se mais na imagem de Diana: alta, ruiva, de olhos verdes, com sardas e uma pequena aranha tatuada no pulso direito... Encontrou-a. Estava em cima duma ponte, sozinha. Parecia a ponte 25 de Abril, mas negra. Aproximou-se e falou-lhe.
"-O que estás a fazer neste sítio? Já te disse que é perigoso e só te faz mal, esquece isto..."
"-Como queres que esqueça o sítio onde a Cláudia... desistiu? É impossível!! Quero-a de volta Catarina, quero a minha irmã de volta!!!". Aproximou-se da beira da ponte e vacilou.
"-Ninguém pode perceber pelo que ela estava a passar. Por favor Diana, não faças isso... Tens os teus amigos, a tua família!"
"-Ela era a única que entendia exactamente aquilo que passávamos, era ela que me apoiava e eu a ela... Gémeas e inseparáveis, por que é que ela fez isto??". E saltou.

Catarina acordou. Agarrou no telemóvel, marcou o 3 e esperou. Começou a chamar, continuou e foi para o voice mail. Repetiu. À terceira tentativa, atenderam.
"-Estou, Diana??"
"-Sim... Tenho estado à tua espera no sítio do costume, demoras?"
Catarina engoliu em seco. Era a quarta vez que aquilo acontecia, e Diana parecia nunca se aperceber. Das outras vezes, também Diana (supostamete) havia cometido suicídio e, após tentativa de contacto, Catarina conseguiu sempre falar com ela. Não percebia por que é que isso acontecia, mas Diana não era definitivamete a rapariga que se matava. Não podia.
"-Podemos não sonhar hoje? Estou cansadíssima."
"-Claro. Queria só sonhar com a minha irmã e ia pedir-te que ficasses de olho para o caso de perder o controlo... Mas podemos fazê-lo outra noite, sem problema. vemo-nos amanhã."
Desligaram e Catarina virou-se na cama. Tinha acabado de se aperceber que a amiga podia nunca ter tido controlo algum sobre os sonhos. Precisava de Guilherme.

17 de março de 2010

Cap. III - Deja vu? (parte II)


Abriu os olhos e sentou-se na cama. Estava com o corpo dorido e alagado em suor frio. Catarina estava a seu lado, sentada com as pernas cruzadas, segurando-lhe na mão e de olhos fechados. Aparentemente não se apercebera que ele acordara, mas assim que ele começou a endireitar-se na cama, ela disse "Ainda não acabou, tens que os acalmar!" e abriu os olhos.
-O quê? - perguntou Guilherme, sentando-se de frente para ela.
-Não sei. Estava lá contigo, mas não me vias. Foi estranho... Senti-me invisível. E depois, quando apareceu o deserto, comecei a ver apenas manchas amarelas na minha mente, e desisti de sonhar.
Tinha a cara vermelha da ansiedade e estava a tremer ligeiramente. Catarina tremia sempre assim quando tinha receio ou estava nervosa. Era um tremer quase ininterrupto, eléctrico, imperceptível. Parecia estar electrificada.
-Já passou. - disse Guilherme. - Para a próxima, vou sozinho. Foi estúpido da minha parte pedir-te que viesses comigo. Podias ter sido atacada.
Catarina anuiu. Sabia que por muito que fosse também capaz de Sonhar, não era tão invulnerável como Guilherme. Aliás, ninguém o era. Os Sonhadores podem lutar entre eles, ferir-se. Até mesmo matar-se. Mas quando envolve criaturas do Mundo, há que fugir, escapar, tentar sair do Sonho com o mínimo de dano possível. Eles sabiam de casos em que pessoas haviam morrido durante o sono e que apresentavam pequenas nódoas negras ou ferimentos aparentemente pequenos mas que na "realidade" eram as maiores feridas que poderiam haver.
-Não. - disse ela, levantando-se da cama e pondo uma expressão decidida - Não vais sozinho. Eu quero, e vou, ajudar-te. Tens que acalmar as... OS seres que te querem atingir. Nem pensar que te deixo ir só.
Guilherme sorriu e levantou-se também. Aproximou-se, abraçou os seus lábios aos dela e sentiram como se o mundo tivesse parado. O sentimento que os unia era de tal forma perfeito e inquebrável que os fazia sentir que eram invencíveis. Nada os podia quebrar, estavam prontos para lutar contra a galáxia inteira se tal fosse preciso.
Naquele momento, naquela manhã, naquela vida, eles eram um.

14 de março de 2010

Cap. II - Deja vu? (parte I)


Diamantes flutuantes pairavam sobre as cadeiras. Pontiagudos, afiados, perigosos.
Diamantes.
Esmeraldas reluzentes cobriam as portas. Brilhantes, resplandescentes, ofuscantes.
Esmeraldas.
Quartzos baços ornamentavam os braços das cadeiras. Opacos, esbranquiçados, rosados.
Quartzos.
Pérolas fantásticas espalhadas pelos tapetes. Redondas, belas, valiosas.
Pérolas.

Guilherme estava no meio da sala. Do lado de fora, sabia que o esperavam as mesmas sombras de sempre. Grandes, ameaçadoras, assassinas, e Guilherme estava cansado de morrer, cansado de sonhar com as malditas sombras. Sabia também que mais cedo ou mais tarde iriam aparecer também os espelhos. As sombras começaram a forçar as portas. Três portas. Guilherme chamou por Catarina e ela veio; apareceu ao seu lado e deu-lhe a mão. "Tu és capaz" sorriu ela, e evaporou-se. As portas pareciam prestes a ceder quando os diamantes tiniram. As portas partiram-se e de lá vieram sombras negras enormes, prontas a eliminá-lo mais uma vez. Guilherme sentiu que elas queriam devorá-lo, absorvê-lo. O Mundo dos Sonhos era muito arriscado, e ele sabia que podia fazer o que quisesse desde que se esforçasse, mas não queria perder o controlo. "Controlo? Não tenho controlo nenhum e isso é óbvio" pensou ele, desejando então arranjar uma arma capaz de o defender. Quartzos e esmeraldas saltaram até ele, pérolas rolaram e diamantes desceram, e todos juntos forraram um pedaço de tecido de um tapete. Formaram uma luva que ele prontamente vestiu, e assim que as sombras se lançaram sobre ele, ele defendeu-se. Flamejou punhos que rasgavam as sombras em trapos esfiapados, parava as suas mandíbulas com a mão protegida e pontapeteava as que se aproximavam dos lados. Viu-se rodeado de sombras e mais pedras preciosas caíram, formando mais uma luva, dando-lhe assim mais capacidade. Disparou murros em todas as direcções; já nem se dava ao trabalho de olhar, só queria ganhar. Uma sombra enorme lançou-se sobre a sua cabeça e Guilherme agachou-se, lançando-se depois com ambos os punhos na sua direcção. A sombra soltou uma espécie de grito e as restantes fugiram, batendo nas paredes e nas cadeiras. As paredes racharam e começaram a desfazer-se em areia. Guilherme estava encurralado e sozinho. Então, a areia caiu em cima dele, mas passou através do seu corpo, e Guilherme pôde ver onde estava: num deserto de areia preta.

11 de março de 2010

Cap. I - Guilherme e Catarina


Um Sonhador é quem não teme viver a realidade paralela. Guilherme era assim. Estudava, saía à noite, convivia com a família, praticava ténis e natação, tinha namorada e amigos. Mas à noite, quando ia dormir, sonhava. E não eram sonhos normais. Eram Sonhos em que a sua vida se fundia com a vida do seu "eu" irreal, Sonhos em que ele podia cair, ser atropelado, assaltado, magoado, até mesmo morto, mas quando acabava voltava a acordar. Salvava pessoas, derrotava criaturas estranhas, morria e voltava a morrer, tudo para se conhecer a si mesmo. Era considerado um campeão pelos outros Sonhadores que vagueavam durante a noite, descobrindo-se a si mesmos ou matando-se uns aos outros, mas detestava ser idolatrado; para ele, ser campeão era um estatuto que estava muito longe de alcançar. "Um campeão não se deixa atormentar por criaturas de vidro e sombras sem forma" pensava Guilherme sempre que alguém o aplaudia. Enquanto criança, sentia muito medo de adormecer. O primeiro Sonho que se lembra de ter tido levou-o até um deserto de areia preta infestado de ursos amarelos que o perseguiram até ele acordar. Assim que abriu os olhos, sentiu todo o corpo a latejar e alagado em suor. Correra durante horas, mas mantinha-se na mesma posição em que havia adormecido. Levou naquela noite mais de duas horas até conseguir adormecer novamente, e assim que conseguiu acordava sobressaltado de dois em dois minutos com medo de sonhar outra vez. Mas Guilherme não era mais uma criança; ter medo era coisa do passado. Estudante universitário, vivia numa casa alugada por ele e mais 4 colegas, entre eles a namorada, Catarina. Conheceram-se no primeiro dia de praxe, tal como Guilherme sonhara. Na noite anterior ao primeiro dia de praxes, sonhou que ia conhecer uma amazona de cabelos cor do mar e detentora duma beleza estonteante. Claro que ele não fazia ideia que estava a sonhar com o que ia acontecer no dia seguinte; achou que fosse um capricho da sua mente. Quando se juntou aos seus colegas caloiros, pasmou-se perante a beleza da rapariga do seu lado esquerdo: alta, morena e com madeixas azuis, olhos azuis e verniz azul. Olhou-a das pernas ao cabelo e sentiu o ar ficar espesso dentro do seu peito, apertando o coração fazendo-o bater mais rápido devido à ansiedade. Não levaram duas semanas para começar a namorar e já lá iam dois anos de felicidade, apenas conturbados pelas sempre presentes tentações que os aliciavam a ambos, mas que nunca conseguiram romper o elo que os ligava. Ela sabia que ele Sonhava, e partilhava o mesmo segredo. Mas ela Sonhava apenas quando precisava. Numa situação de crise, deitava-se na cama a reflectir no assunto até adormecer, e quando acordava o assunto estava resolvido, ou prestes a sê-lo. Não Sonhava à seis meses e esse era o único sinal que indicava que estava tudo bem consigo mesma. Já Guilherme... Sonhava noite sim, noite não, e por vezes acordava mais cansado que quando se deitara. Ultimamente, Sonhava sempre com o mesmo: vidros e sombras. Quando morria, a realidade de Catarina acordava-o. Era amor.

8 de março de 2010

Estrelas

Pedacinhos de ti espalhados pelo céu do meu mundo brilham em direcção ao mar. Tenho saudades do tempo em que fugir era simples e praticamente resolvia tudo. Não te ter por perto apagou a necessidade de fugir, e agora que voltaste a aparecer não me lembro como se foge. Posso tentar janelas, portas, passagens ocultas para fora da tua presença, mas tu existes e inevitavelmente vais perseguir-me e derrubar a minha serenidade. Afogas-me em tristeza; quero matar o sentimento. Já passou a época dos espelhos e dos vidros: restam apenas as memórias. Elas atormentavam-me, rasgavam o meu discernimento e incentivavam-me a morrer. Aprendi a guardá-las, mas não sei como reaprender a escapar, não me lembro como se faz e sinceramente não sei se quero fazê-lo; talvez não esteja preparado para te apagar.

Olho para as estrelas e lembro-me de ti. Até elas me atraiçoam.

4 de março de 2010

Determinação

Tu, mulher de vidro. Vou banir-te da minha mente e do meu coração; aniquilar-te-ei da minha alma. Recuperarei a minha vida e a minha razão, ficarei livre para viver e respirar, e irei apenas recordar-te sem forma. Para isso, basta-me encontrar o Sol. O isqueiro. O espelho. Ou nada... Talvez algo novo e absoluto. Algo... omnipotente.

"O meu cérebro fica confuso com esta pressão. Se são produtos da mente, devem obedecer aos meus desejos e desaparecer duma vez por todas. As memórias ficam para sempre, mas não é por isso que me devem assombrar. A determinação é a arma mais potente contra as recordações: ataca e derrota toda e qualquer memória perigosa, que possa deitar por terra ou deixar em aflição, com medo, inseguro, qualquer alvo que possa existir."

Encontrei a folha verde: determinação.


Gostava de derrotar assim tão facilmente a realidade.

1 de março de 2010

Sol


Meia-noite. Estou de pé, em frente à tua casa, à espera. Nem eu sei o que espero, mas espero. Uma hora, duas, dez, vinte. É sempre noite, não há nascer-do-sol. Acompanhado pelos pequenos animais que esporadicamente passam por mim a correr, sinto-me mais acompanhado que se estivesse rodeado por uma multidão de pessoas. Mas ainda assim, espero. Ouço um piar de coruja ao longe. Um morcego passa rapidamente sobre a minha cabeça e um gato salta do telhado para o jardim. Uma luz acende-se numa das divisões, e consigo ver-te através da janela. A tua sombra pelo menos. Mexes-te como quem tem todo o tempo do mundo, passas de divisão para divisão, acendendo as luzes de cada uma, e eu sigo-te com o olhar. Sonhei com esta noite, ambiciono descobrir o sentido do meu sonho. Esta noite, sei que nenhuma mulher de vidro me irá incomodar; arranjei a barreira perfeita para as impedir de me atormentar. No entanto, não sei durante quanto tempo aguentarei manter o temporal na minha mente que as mantém quietas.
Passo o portão da vedação e dirijo-me à porta, pronto para te confrontar com a realidade. Pronto para te fazer ver o quanto eu tenho razão e como tu não vales nada. Toco á campainha, e espero cerca de 15 segundos. Não obtenho resposta, e volto a tocar. Mais 20 segundos, e nada. Decido então bater à porta com toda a minha força, e ouço a tua voz rouca: "Já vai". Preparo-me para o confronto, tenho a certeza que vais ficar na expectativa. Começa a chover. A trovejar. Abres a porta, e eu sustenho a respiração. És uma sombra. Não tens cara, apenas contornos escuros, és uma sombra somente. Ouço um riso e olho para a rua. Estamos rodeados de mulheres de vidro, e eu não percebo porquê. Achei que elas não gostavam de trovões, e dou-me então conta que não troveja mais, apenas chove. Sem apito, sem espelho, sem isqueiro. Apenas eu, à tua porta, a observar as mulheres, e tu em forma de sombra, atrás de mim, à espera. Desejo destruí-las a todas, recordações fantasmagóricas da minha vida, sem deixar nem uma. Das vezes anteriores, a sua mentora desapareceu em fumo e outras morreram com o som do apito, mas contra estas não posso fazer nada. Não há apito para as matar, nem isqueiro para encontrar a sua mentora, nem sol. O Sol. Preciso do Sol, do seu calor, da sua luz, da sua aptidão para encontrar o caminho certo e afastar estas criaturas de mim e dos meus sonhos. Mas sem Sol, o que me resta? Morrer como das últimas vezes, ou viver e lutar? Prefiro lutar, mas como? Como se derrotam memórias?
Preciso do Sol.

28 de fevereiro de 2010

Bolha


Aqui, tu e eu estamos sozinhos. Sem intromissões, sem perigos, sem medos. Só nós, na janela do mundo, a observar o nosso presente e a espiar o nosso futuro; damo-nos conta que a nossa esfera está por sua vez dentro duma enorme bolha. Recheada de vidas e de tudo de mau e bom que acompanha com elas: medos, amizades, intrigas, prisões, traições, chuva. Nós fazemos parte desse círculo e não passamos para lá da linha de limite, pois isso faria rebentar a bolha. E o que aconteceria se a bolha rebentasse? Vejo-o acontecer como se tivesse acontecido. Os males que viriam com o seu desaparecimento. Não podemos permitir que isso aconteça, mas também não podemos continuar dentro dela, impedidos de viver com medo de a rasgar e de nos magoarmos. Devemos ganhar a capacidade de sair sem a destruir, e podermos entrar sempre que nos convenha, sem medo da chuva, nem da escuridão, nem de mulheres misteriosas com cabelos de vidro, nem das intrigas, nem das traições.

Espreito pela janela do mundo. A vista deslumbra-me. Nada temas: estamos juntos.

27 de fevereiro de 2010

Relâmpagos e Caminhos


"BRRRRUUUUUUUMM!!!"

O soar de um trovão.
A porta estava aberta e as pessoas moviam-se. Sombras de pessoas, adultos e crianças, a dançarem ao som de valsa clássica, aos pares ou sozinhas. Passo pelas portas e olho em redor. Um espelho à esquerda. Aproximo-me e observo-me: estou igualzinho. A minha camisola vermelha com grandes botões pretos, umas calças super normais, um casaco de cabedal.

Um relâmpago. "BRRRRUUUUUUUMM!!!"

Ouço gritos. Gritos de pânico. Alguém me chama, uma voz idêntica à minha, mas cada vez a ouço mais longe. Corro para o salão e as sombras desaparecem pelas paredes. Continuo a ouvir os gritos, agora abafados, da pessoa com a voz igual à minha. A chuva luta corajosamente contra as janelas. Uma luta de titãs.

Segundo relâmpago. "BRRRRUUUUUUUMM!!!"

Vejo portas a fechar-se. O espelho a partir-se no fim do corredor. Uma gargalhada. Desta vez, de mulher, e pelo riso denoto que é detentora de uma voz melodiosa.
"-Quem está aí?" muito estupidamente pergunto eu, sabendo que ninguém me vai tornar resposta. Começo a abrir portas, e atrás de cada uma delas está uma parede de tijolos. Nada faz sentido. A luz apaga-se.

Terceiro relâmpago. "BRRRRUUUUUUUMM!!!"

A luz volta. Pestanejo várias vezes. Estou num prado. O vento corre á minha volta, sem me tocar, e os trovões mergulham na terra sem o menor ruído, aparentemente marcando território e deixando apenas um ténue trilho verde que conduz a um rio. Faço o caminho, sempre cauteloso, mas com um frio estranho a percorrer-me as costas. A luz do Salão, confinada a uma pequena esfera luminosa, segue-me de cima e ilumina o trilho. Começo a ouvir gritos. A mesma voz. Desato a correr em direcção à cascata.
Cascata?!

Quarto relâmpago. "BRRRRUUUUUUUMM!!!"

Estou rodeado de pessoas. Pareço uma sardinha no meio de outras, enfiadas numa lata de conserva. Tantas pessoas... Mulheres... Altas... Com cabelos, suaves, brilhantes, parecem diamantes...
Diamantes...?
Mulheres de cabelos de vidro!! Agacho-me e espero que se afastem com o próximo trovão. Sinto que não gostam do som dos trovões. A pequena esfera ilumina o chão e encontro um apito. Apanho-o. Sopro com toda a força, e dele sai o som de um trovão, como se rebentasse mesmo ali à minha frente! As mulheres de cabelos de vidro caem. Mortas.

Quinto relâmpago. "BRRRRUUUUUUUMM!!!"

Estou de volta ao Salão. Agachado no meio das pessoas, enquanto elas dançam, reparo que estou vestido de maneira diferente, com roupas que parecem de veludo. O que se passa?
A cascata está mesmo atrás de mim. Vai rebentar. Como sei? Não sei.

"BRRRRUUUUUUUMM!!!"

Não foi um relâmpago.

23 de fevereiro de 2010

Quarto Escuro

Inspiro fundo e entro no quarto. Está escuro. Um leve cheiro a saudade paira na divisão, envolvendo a minha mente em emoções de origem desconhecida. Acendo o meu isqueiro, e observo o pouco que é iluminado: uma mesa, folhas soltas espalhadas pelo chão, uma faca e metade de uma maçã largadas numa cadeira. Esta estranha combinação transmite-me uma sensação de nostalgia. Algo se passou naquele quarto, algo que me faz sentir maravilhado, e culpado. Dou dois passos em frente, e a um canto vejo a cama de dossel, coberta de poeira pela tristeza e pelo tempo; a mesma cama onde sonos intermináveis e tortuosos me acorrentam. Não me apercebo de início, mas estou acompanhado; naquele preciso momento a minha fixação com a cama de dossel toldou-me os sentidos.
Ouço um batimento de coração. E outro. E outro. E à medida que vou dando mais passos no quarto, mais frequente se torna, até que acabo por estar perto o suficiente para que a chama do meu isqueiro ilumine a pessoa: uma mulher de cabelo de vidro. Não entendo como sei esta informação, mas os seus cabelos aparentemente suaves e sedosos são, de facto, de vidro que mais parece diamante, e disso eu tenho a certeza. Os seus olhos amarelos perfuram os meus, e sinto que ela sabe tudo sobre mim. Sinto que me conhece, que me compreende, que me aceita e respeita, que não duvida e que confia nas minhas capacidades. Aproximo-me, observando a cicatriz que atravessa o seu rosto desde a sobrancelha direita ao queixo, passando pelos lábios. Toco-lhe. Os seus olhos tornam-se brancos e chama-me amigo. Despido de medos, abraço-a e peço-lhe que não me abandone, que fique comigo para sempre, que saia daquele quarto que esconde tantos sentimentos maus e feios e que respire o ar puro que há para lá daquelas quatro paredes. Quando a solto, e a mão que segura o isqueiro volta para entre nós, já não ostenta a mesma serenidade. Diz-me apenas ternamente "Não fujas!" e começa a desvanecer-se em fumo branco. O fumo desaparece no ar, apesar de não haver janelas e a porta estar fechada. O quarto parece interminável, e eu decido seguir caminho, apesar de saber exactamente o que lá se encontra. Admiro as paredes decoradas com quadros de belas paisagens e papel de parede cinzento prata, contrastando com a mobília de madeira envernizada, que se resume basicamente a cómodas e mais cómodas. Mais à frente, as folhas soltas começam a escassear, até que sobra apenas uma: uma folha verde, com apenas uma palavra escrita; a palavra que eu mais ansiava ler, descobrir, reaver. A palavra que me ajudará a ser diferente, a ser melhor, a ser eu, que me fará despertar do meu sonho.
Sem aviso, a folha pega fogo. Largo-a e ela vai descendo lentamente como uma folha de Outono, ardendo e chorando lágrimas de sangue. Perdeu a oportunidade de concluir a sua missão, de cumprir o seu objectivo, de salvar o último prisioneiro da casa dos pesadelos. E eu, lembrando-me agora que a maçã fora cortada por mim, após ter morto um dia a mulher dos cabelos de vidro, grito e desespero. Sinto-me encurralado. O tecto desaba sobre mim, e morro.
E acordo.

21 de fevereiro de 2010

Lágrima


Quantas lágrimas tem uma traição?
Sonho em chorar somente de alegria, de entusiasmo, de emoção, em poder sorrir genuinamente e beijar-te livremente. Sentir a tua pele fundir-se com a minha, pensar o que tu pensas e absorver a tua vida enquanto tu absorves a minha, sem limites e eternamente.
Acordar a teu lado deve ser a experiência mais estranha que alguma vez poderei imaginar. Adormecer e acordar, e continuar no meu sonho, preso de livre vontade e sem vestígio de querer escapar de ti, da tua absorção, da tua essência.


Páro e penso: "Se eu não te puder ter, mais ninguém irá ter-te", mas encaro isso como o pico mais alto da inveja, um pecado mortal que todo o humano possui, por muito que o negue. "A luxúria é a fome da alma", disse alguém à muito tempo, e dou conta que por ti eu semeei em mim todos os pecados e mais alguns, desenhei sentimentos e criei desilusões, e nada disso fez de mim uma pessoa melhor. Apenas me sinto mais vazio, mais sombrio, mais perdido. Mais outro que não eu. E choro. Lágrimas intermináveis e incontáveis, numerosos estilhaços da minha esperança, agora desfeita pela sempre presente realidade. Quantas lágrimas terei chorado?
Quantas lágrimas tem uma desilusão?

19 de fevereiro de 2010

14 de fevereiro de 2010

O Mundo


Não sei o que dizer
Não sei o que pensar
Só sei que sinto
Que não é este o meu lugar.


O Mundo. Um estranho lugar. Ninguém sabe bem o que fazer com ele, portanto todos se limitam a fazer o que melhor sabem: preocuparem-se consigo mesmos.

Gosto do ar e da terra.
Gosto do mar, das montanhas e das praias. Gosto do pôr-do-sol e da luz do luar.
Gosto de toda a vida, e do facto de em certos locais não haver nem vestígio dela.
Gosto do céu. Das estrelas. Das formigas. Do som do riso. Do calor de um abraço.

Sinto-me deslocado, inerte na rede da vida e sem possibilidade de escapar. Não pertenço a este mundo, nem a este nem ao próximo. Pertenço sim a um mundo diferente de todos, e idêntico a qualquer um. Um mundo em que a vida é vivida como prazer e não como obrigação. Nesse mundo, eu sou eu, perfeitamente imperfeito, na companhia de outros, os meus perfeitamente imperfeitos companheiros, familiares, amigos.

Não pertenço a este lugar
Caminho sem rumo
Sem direcção
Em busca do meu coração

11 de fevereiro de 2010

Porquê? II


Adorava voar. Adorava poder flutuar por entre as nuvens, sentir o ar rarefeito a esfaquear-me os pulmões, sentar-me no meio da tempestade e pensar no Mundo.

Gostava de poder sentir os sentimentos de terceiros na minha pele, sem lhes tocar. Poder agir consoante o que a outra pessoa sente, não "jogar às escuras" e sair sempre vitorioso.

Queria ler pensamentos. Basear as minhas atitudes no certo e no errado que cada pessoa pensa, não ferir susceptibilidades e arrancar sorrisos eternos.

Mas porquê? Por que motivo é tão importante para as pessoas agir de acordo com o que os outros sentem? Por que mentem os homens e choram as mulheres? Por que não somos todos felizes uns com os outros, neste mundo em que vivemos, e não nos baseamos em verdades para aproveitar a vida? Por que é que temos a necessidade de gritar, de brigar, de lutar, de implorar, de chorar, de mentir?


Adorava voar, sentir, perceber.

Vodka


Vodka: sem ela, talvez não dissesse tantas verdades na cara de quem merece.

6 de fevereiro de 2010

Não serviu de nada


Acho fantástica a atenção que nos dias de hoje se dá às redes sociais: Hi5, Facebook, Netlog, Twitter, entre outras. Parece que nos esquecemos de socializar como seres humanos de carne e osso e nos adaptámos definitivamente ao modo virtual de viver. A dependência que sentimos de saber o que se passa no Facebook, os comentários e as visitas do Hi5, tudo isso preenche as nossas vidas e dá-nos assunto para conversar quando de facto estamos cara-a-cara com os nossos amigos, o que de certo modo é um pouco estúpido. Mas se não fosse o Facebook, não me teria deparado com a frase que define exactamente aquilo que sinto, mesmo sem ter sabido como exteriorizar.

"Um dia digo-te o quanto gostei de ti e o quanto isso não me serviu de nada"

Haverá alguém que consiga dizer uma frase que melhor defina a minha situação? Não me parece. Resta-me agradecer à pessoa que pôs esta frase numa aplicação como tantas outras, pois ajudou-me de uma forma que eu não imaginava ser possível. Gostar de alguém é como uma faca de dois gumes: pode cortar uma resposta boa e deixar uma má, e vice-versa. Nunca pensamos em quem gostamos e porquê, apenas sentimos. O que de certa forma é, também isso, um pouco estúpido.

Tapa na pantera

Acho cada vez mais que todos nós devíamos fazer isto x)


5 de fevereiro de 2010

A única coisa


A única coisa que precisamos para sermos felizes, é estarmos vivos.

Porquê?


Perguntas. Indiscretas, desnecessárias, preocupantes, insistentes, incomodativas. Curtas ou longas, simples ou elaboradas, directas ou indirectas, rudes ou amigáveis. A vida roda em torno de perguntas, eternas questões que permanecem no subconsciente humano à espera de respostas. Dúvidas, curiosidades, opiniões. Todas elas merecem uma resposta, mas isso nem sempre acontece. Porquê?