28 de fevereiro de 2010

Bolha


Aqui, tu e eu estamos sozinhos. Sem intromissões, sem perigos, sem medos. Só nós, na janela do mundo, a observar o nosso presente e a espiar o nosso futuro; damo-nos conta que a nossa esfera está por sua vez dentro duma enorme bolha. Recheada de vidas e de tudo de mau e bom que acompanha com elas: medos, amizades, intrigas, prisões, traições, chuva. Nós fazemos parte desse círculo e não passamos para lá da linha de limite, pois isso faria rebentar a bolha. E o que aconteceria se a bolha rebentasse? Vejo-o acontecer como se tivesse acontecido. Os males que viriam com o seu desaparecimento. Não podemos permitir que isso aconteça, mas também não podemos continuar dentro dela, impedidos de viver com medo de a rasgar e de nos magoarmos. Devemos ganhar a capacidade de sair sem a destruir, e podermos entrar sempre que nos convenha, sem medo da chuva, nem da escuridão, nem de mulheres misteriosas com cabelos de vidro, nem das intrigas, nem das traições.

Espreito pela janela do mundo. A vista deslumbra-me. Nada temas: estamos juntos.

27 de fevereiro de 2010

Relâmpagos e Caminhos


"BRRRRUUUUUUUMM!!!"

O soar de um trovão.
A porta estava aberta e as pessoas moviam-se. Sombras de pessoas, adultos e crianças, a dançarem ao som de valsa clássica, aos pares ou sozinhas. Passo pelas portas e olho em redor. Um espelho à esquerda. Aproximo-me e observo-me: estou igualzinho. A minha camisola vermelha com grandes botões pretos, umas calças super normais, um casaco de cabedal.

Um relâmpago. "BRRRRUUUUUUUMM!!!"

Ouço gritos. Gritos de pânico. Alguém me chama, uma voz idêntica à minha, mas cada vez a ouço mais longe. Corro para o salão e as sombras desaparecem pelas paredes. Continuo a ouvir os gritos, agora abafados, da pessoa com a voz igual à minha. A chuva luta corajosamente contra as janelas. Uma luta de titãs.

Segundo relâmpago. "BRRRRUUUUUUUMM!!!"

Vejo portas a fechar-se. O espelho a partir-se no fim do corredor. Uma gargalhada. Desta vez, de mulher, e pelo riso denoto que é detentora de uma voz melodiosa.
"-Quem está aí?" muito estupidamente pergunto eu, sabendo que ninguém me vai tornar resposta. Começo a abrir portas, e atrás de cada uma delas está uma parede de tijolos. Nada faz sentido. A luz apaga-se.

Terceiro relâmpago. "BRRRRUUUUUUUMM!!!"

A luz volta. Pestanejo várias vezes. Estou num prado. O vento corre á minha volta, sem me tocar, e os trovões mergulham na terra sem o menor ruído, aparentemente marcando território e deixando apenas um ténue trilho verde que conduz a um rio. Faço o caminho, sempre cauteloso, mas com um frio estranho a percorrer-me as costas. A luz do Salão, confinada a uma pequena esfera luminosa, segue-me de cima e ilumina o trilho. Começo a ouvir gritos. A mesma voz. Desato a correr em direcção à cascata.
Cascata?!

Quarto relâmpago. "BRRRRUUUUUUUMM!!!"

Estou rodeado de pessoas. Pareço uma sardinha no meio de outras, enfiadas numa lata de conserva. Tantas pessoas... Mulheres... Altas... Com cabelos, suaves, brilhantes, parecem diamantes...
Diamantes...?
Mulheres de cabelos de vidro!! Agacho-me e espero que se afastem com o próximo trovão. Sinto que não gostam do som dos trovões. A pequena esfera ilumina o chão e encontro um apito. Apanho-o. Sopro com toda a força, e dele sai o som de um trovão, como se rebentasse mesmo ali à minha frente! As mulheres de cabelos de vidro caem. Mortas.

Quinto relâmpago. "BRRRRUUUUUUUMM!!!"

Estou de volta ao Salão. Agachado no meio das pessoas, enquanto elas dançam, reparo que estou vestido de maneira diferente, com roupas que parecem de veludo. O que se passa?
A cascata está mesmo atrás de mim. Vai rebentar. Como sei? Não sei.

"BRRRRUUUUUUUMM!!!"

Não foi um relâmpago.

23 de fevereiro de 2010

Quarto Escuro

Inspiro fundo e entro no quarto. Está escuro. Um leve cheiro a saudade paira na divisão, envolvendo a minha mente em emoções de origem desconhecida. Acendo o meu isqueiro, e observo o pouco que é iluminado: uma mesa, folhas soltas espalhadas pelo chão, uma faca e metade de uma maçã largadas numa cadeira. Esta estranha combinação transmite-me uma sensação de nostalgia. Algo se passou naquele quarto, algo que me faz sentir maravilhado, e culpado. Dou dois passos em frente, e a um canto vejo a cama de dossel, coberta de poeira pela tristeza e pelo tempo; a mesma cama onde sonos intermináveis e tortuosos me acorrentam. Não me apercebo de início, mas estou acompanhado; naquele preciso momento a minha fixação com a cama de dossel toldou-me os sentidos.
Ouço um batimento de coração. E outro. E outro. E à medida que vou dando mais passos no quarto, mais frequente se torna, até que acabo por estar perto o suficiente para que a chama do meu isqueiro ilumine a pessoa: uma mulher de cabelo de vidro. Não entendo como sei esta informação, mas os seus cabelos aparentemente suaves e sedosos são, de facto, de vidro que mais parece diamante, e disso eu tenho a certeza. Os seus olhos amarelos perfuram os meus, e sinto que ela sabe tudo sobre mim. Sinto que me conhece, que me compreende, que me aceita e respeita, que não duvida e que confia nas minhas capacidades. Aproximo-me, observando a cicatriz que atravessa o seu rosto desde a sobrancelha direita ao queixo, passando pelos lábios. Toco-lhe. Os seus olhos tornam-se brancos e chama-me amigo. Despido de medos, abraço-a e peço-lhe que não me abandone, que fique comigo para sempre, que saia daquele quarto que esconde tantos sentimentos maus e feios e que respire o ar puro que há para lá daquelas quatro paredes. Quando a solto, e a mão que segura o isqueiro volta para entre nós, já não ostenta a mesma serenidade. Diz-me apenas ternamente "Não fujas!" e começa a desvanecer-se em fumo branco. O fumo desaparece no ar, apesar de não haver janelas e a porta estar fechada. O quarto parece interminável, e eu decido seguir caminho, apesar de saber exactamente o que lá se encontra. Admiro as paredes decoradas com quadros de belas paisagens e papel de parede cinzento prata, contrastando com a mobília de madeira envernizada, que se resume basicamente a cómodas e mais cómodas. Mais à frente, as folhas soltas começam a escassear, até que sobra apenas uma: uma folha verde, com apenas uma palavra escrita; a palavra que eu mais ansiava ler, descobrir, reaver. A palavra que me ajudará a ser diferente, a ser melhor, a ser eu, que me fará despertar do meu sonho.
Sem aviso, a folha pega fogo. Largo-a e ela vai descendo lentamente como uma folha de Outono, ardendo e chorando lágrimas de sangue. Perdeu a oportunidade de concluir a sua missão, de cumprir o seu objectivo, de salvar o último prisioneiro da casa dos pesadelos. E eu, lembrando-me agora que a maçã fora cortada por mim, após ter morto um dia a mulher dos cabelos de vidro, grito e desespero. Sinto-me encurralado. O tecto desaba sobre mim, e morro.
E acordo.

21 de fevereiro de 2010

Lágrima


Quantas lágrimas tem uma traição?
Sonho em chorar somente de alegria, de entusiasmo, de emoção, em poder sorrir genuinamente e beijar-te livremente. Sentir a tua pele fundir-se com a minha, pensar o que tu pensas e absorver a tua vida enquanto tu absorves a minha, sem limites e eternamente.
Acordar a teu lado deve ser a experiência mais estranha que alguma vez poderei imaginar. Adormecer e acordar, e continuar no meu sonho, preso de livre vontade e sem vestígio de querer escapar de ti, da tua absorção, da tua essência.


Páro e penso: "Se eu não te puder ter, mais ninguém irá ter-te", mas encaro isso como o pico mais alto da inveja, um pecado mortal que todo o humano possui, por muito que o negue. "A luxúria é a fome da alma", disse alguém à muito tempo, e dou conta que por ti eu semeei em mim todos os pecados e mais alguns, desenhei sentimentos e criei desilusões, e nada disso fez de mim uma pessoa melhor. Apenas me sinto mais vazio, mais sombrio, mais perdido. Mais outro que não eu. E choro. Lágrimas intermináveis e incontáveis, numerosos estilhaços da minha esperança, agora desfeita pela sempre presente realidade. Quantas lágrimas terei chorado?
Quantas lágrimas tem uma desilusão?

19 de fevereiro de 2010

14 de fevereiro de 2010

O Mundo


Não sei o que dizer
Não sei o que pensar
Só sei que sinto
Que não é este o meu lugar.


O Mundo. Um estranho lugar. Ninguém sabe bem o que fazer com ele, portanto todos se limitam a fazer o que melhor sabem: preocuparem-se consigo mesmos.

Gosto do ar e da terra.
Gosto do mar, das montanhas e das praias. Gosto do pôr-do-sol e da luz do luar.
Gosto de toda a vida, e do facto de em certos locais não haver nem vestígio dela.
Gosto do céu. Das estrelas. Das formigas. Do som do riso. Do calor de um abraço.

Sinto-me deslocado, inerte na rede da vida e sem possibilidade de escapar. Não pertenço a este mundo, nem a este nem ao próximo. Pertenço sim a um mundo diferente de todos, e idêntico a qualquer um. Um mundo em que a vida é vivida como prazer e não como obrigação. Nesse mundo, eu sou eu, perfeitamente imperfeito, na companhia de outros, os meus perfeitamente imperfeitos companheiros, familiares, amigos.

Não pertenço a este lugar
Caminho sem rumo
Sem direcção
Em busca do meu coração

11 de fevereiro de 2010

Porquê? II


Adorava voar. Adorava poder flutuar por entre as nuvens, sentir o ar rarefeito a esfaquear-me os pulmões, sentar-me no meio da tempestade e pensar no Mundo.

Gostava de poder sentir os sentimentos de terceiros na minha pele, sem lhes tocar. Poder agir consoante o que a outra pessoa sente, não "jogar às escuras" e sair sempre vitorioso.

Queria ler pensamentos. Basear as minhas atitudes no certo e no errado que cada pessoa pensa, não ferir susceptibilidades e arrancar sorrisos eternos.

Mas porquê? Por que motivo é tão importante para as pessoas agir de acordo com o que os outros sentem? Por que mentem os homens e choram as mulheres? Por que não somos todos felizes uns com os outros, neste mundo em que vivemos, e não nos baseamos em verdades para aproveitar a vida? Por que é que temos a necessidade de gritar, de brigar, de lutar, de implorar, de chorar, de mentir?


Adorava voar, sentir, perceber.

Vodka


Vodka: sem ela, talvez não dissesse tantas verdades na cara de quem merece.

6 de fevereiro de 2010

Não serviu de nada


Acho fantástica a atenção que nos dias de hoje se dá às redes sociais: Hi5, Facebook, Netlog, Twitter, entre outras. Parece que nos esquecemos de socializar como seres humanos de carne e osso e nos adaptámos definitivamente ao modo virtual de viver. A dependência que sentimos de saber o que se passa no Facebook, os comentários e as visitas do Hi5, tudo isso preenche as nossas vidas e dá-nos assunto para conversar quando de facto estamos cara-a-cara com os nossos amigos, o que de certo modo é um pouco estúpido. Mas se não fosse o Facebook, não me teria deparado com a frase que define exactamente aquilo que sinto, mesmo sem ter sabido como exteriorizar.

"Um dia digo-te o quanto gostei de ti e o quanto isso não me serviu de nada"

Haverá alguém que consiga dizer uma frase que melhor defina a minha situação? Não me parece. Resta-me agradecer à pessoa que pôs esta frase numa aplicação como tantas outras, pois ajudou-me de uma forma que eu não imaginava ser possível. Gostar de alguém é como uma faca de dois gumes: pode cortar uma resposta boa e deixar uma má, e vice-versa. Nunca pensamos em quem gostamos e porquê, apenas sentimos. O que de certa forma é, também isso, um pouco estúpido.

Tapa na pantera

Acho cada vez mais que todos nós devíamos fazer isto x)


5 de fevereiro de 2010

A única coisa


A única coisa que precisamos para sermos felizes, é estarmos vivos.

Porquê?


Perguntas. Indiscretas, desnecessárias, preocupantes, insistentes, incomodativas. Curtas ou longas, simples ou elaboradas, directas ou indirectas, rudes ou amigáveis. A vida roda em torno de perguntas, eternas questões que permanecem no subconsciente humano à espera de respostas. Dúvidas, curiosidades, opiniões. Todas elas merecem uma resposta, mas isso nem sempre acontece. Porquê?