1 de março de 2010

Sol


Meia-noite. Estou de pé, em frente à tua casa, à espera. Nem eu sei o que espero, mas espero. Uma hora, duas, dez, vinte. É sempre noite, não há nascer-do-sol. Acompanhado pelos pequenos animais que esporadicamente passam por mim a correr, sinto-me mais acompanhado que se estivesse rodeado por uma multidão de pessoas. Mas ainda assim, espero. Ouço um piar de coruja ao longe. Um morcego passa rapidamente sobre a minha cabeça e um gato salta do telhado para o jardim. Uma luz acende-se numa das divisões, e consigo ver-te através da janela. A tua sombra pelo menos. Mexes-te como quem tem todo o tempo do mundo, passas de divisão para divisão, acendendo as luzes de cada uma, e eu sigo-te com o olhar. Sonhei com esta noite, ambiciono descobrir o sentido do meu sonho. Esta noite, sei que nenhuma mulher de vidro me irá incomodar; arranjei a barreira perfeita para as impedir de me atormentar. No entanto, não sei durante quanto tempo aguentarei manter o temporal na minha mente que as mantém quietas.
Passo o portão da vedação e dirijo-me à porta, pronto para te confrontar com a realidade. Pronto para te fazer ver o quanto eu tenho razão e como tu não vales nada. Toco á campainha, e espero cerca de 15 segundos. Não obtenho resposta, e volto a tocar. Mais 20 segundos, e nada. Decido então bater à porta com toda a minha força, e ouço a tua voz rouca: "Já vai". Preparo-me para o confronto, tenho a certeza que vais ficar na expectativa. Começa a chover. A trovejar. Abres a porta, e eu sustenho a respiração. És uma sombra. Não tens cara, apenas contornos escuros, és uma sombra somente. Ouço um riso e olho para a rua. Estamos rodeados de mulheres de vidro, e eu não percebo porquê. Achei que elas não gostavam de trovões, e dou-me então conta que não troveja mais, apenas chove. Sem apito, sem espelho, sem isqueiro. Apenas eu, à tua porta, a observar as mulheres, e tu em forma de sombra, atrás de mim, à espera. Desejo destruí-las a todas, recordações fantasmagóricas da minha vida, sem deixar nem uma. Das vezes anteriores, a sua mentora desapareceu em fumo e outras morreram com o som do apito, mas contra estas não posso fazer nada. Não há apito para as matar, nem isqueiro para encontrar a sua mentora, nem sol. O Sol. Preciso do Sol, do seu calor, da sua luz, da sua aptidão para encontrar o caminho certo e afastar estas criaturas de mim e dos meus sonhos. Mas sem Sol, o que me resta? Morrer como das últimas vezes, ou viver e lutar? Prefiro lutar, mas como? Como se derrotam memórias?
Preciso do Sol.

1 comentário: