16 de janeiro de 2011

Chapter VI - "A Shadow With Purple Eyes"

Chegaram a uma clareira. O que quer que fosse que os estava a perseguir parecia ter parado no momento em que haviam saído da floresta, e assim que se apercebeu disso, Diana largou a mão de Mário e observou o lugar onde estavam.
A clareira era extensa e coberta da mais fresca relva. O luar banhava toda a extensão daquele lugar, que parecia estender-se por quilómetros, e aqui e ali podiam ver-se pequenos arbustos de onde espreitavam pequenos coelhos, e no céu estrelado passeavam corujas brancas como a neve e mochos negros como a noite, piando e buscando presas. Diana estava maravilhada com aquele cenário.
- Então? Gostas deste sítio? Venho cá noite sim, noite não, fazer-lhes companhia.
Diana olhou para ele. Estava agachado perto de um arbusto maior e mais amarelado que os outros. A cheirar a sua mão estavam duas pequenas raposas douradas com as pontas das orelhas brancas. Pareciam ser irmãs e muito chegadas. Diana aproximou-se mas, assim que o fez, elas começaram a brilhar ligeiramente e desapareceram no minuto seguinte.
- Que aconteceu? Fiz algo de errado?
Mário sorriu para ela.
- É claro que não. Mas elas são muito tímidas, e é a primeira vez que te vêm... Desculpa, mas como te chamas mesmo?
- Isso é importante?
-Bom, dado que te salvei a vida, acho que me podias dizer pelo menos o teu nome...
- ... Diana. E agora é a minha vez de te perguntar. Por que é que ages como se fosse a coisa mais normal do mundo para ti, estar aqui? Nunca vi outra pessoa neste lugar... Nunca falei com os animais nem corri tão depressa. Diz-me de uma vez por todas quem és tu.
Mário estava estupefacto. As outras pessoas que ali encontrara nunca lhe haviam feito aquela pergunta, e ele nunca demonstrara interesse em saber. Só sabia que podia sonhar e fazer coisas acontecer nos seus sonhos que se reflectiam mais tarde na vida real. E foi isso mesmo que começou por lhe contar.
-Então... Tu queres dizer que há mais pessoas como nós? Normais, mas que sonham? Como nós?! É que para mim isto não é um sonho qualquer. Eu acordo cansada se tiver corrido muito, acordo dorida se tiver caído, alegre se o que sonhei foi bom e triste se foi mau. Não é algo que interprete como sendo normal, dado que certas coisas acabam por acontecer ou influenciar certas situações a acontecer.
- Eu não sei mais que tu. Mas sei que há mais pessoas, sim, e não são poucas. Há um ano atrás, sonhei que uma pessoa iria trazer outras. Nunca vi isso acontecer, mas umas noites após o meu sonho, o sítio por onde costumo entrar tinha dezenas de pegadas humanas, e nenhuma das leoas me soube dizer o que acontecera.
De repente, os arbustos começaram a tremer. Todos eles, por toda a clareira, agitavam-se freneticamente, até que um deles pegou fogo. Todos os outros se incendiaram, tornando assim a clareira num jardim de fogueiras. Os animais lá escondidos desapareceram num monte de poeira branca, as corujas voavam para longe, e alguns metros de Diana e Mário começou a aparecer uma sombra de forma humana. Diana pressentiu perigo e desejou acordar... Aquela sobra tinha apenas dois rasgos na face, e dentro desses rasgos estavam dois olhos de um roxo profundo que a fixavam. Diana olhou em volta, e a cerca de 50 metros começou a aparecer o grande rochedo por onde entrava sempre. O grande leopardo branco assanhou-se e rosnou, como que a avisá-la. Diana correu, e agarrando na mão de Mário, passou pelo leopardo e atravessou a rocha...
Acordou.

7 de janeiro de 2011

Chapter V - "Runaway Of Despair"

"- Quem és tu?"
Diana abriu os olhos, a custo. Um rapaz, provavelmente da sua idade e completamente vestido de branco, segurava-a nos braços. Observava-a com os seus olhos azuis brilhantes e parecia preocupado.
- Quem és tu?, voltou ela a perguntar. Sentia as pernas, dormentes, a voltarem a ter sensibilidade, estava ensopada e tremia de frio.
- Mário. Estás bem?
O facto de não perguntar o seu nome e mostrar preocupação pelo seu estado pareceu transmitir-lhe uma sensação quente. Ainda assim, começou a afastá-lo e levantou-se.
- Sim. Que aconteceu?
- Não faço a menor ideia. Só sei que tinha de ajudar-te.
Diana parou de repente. Estava tão desconcertada que só agora se apercebera: estava ali alguém com ela!!! Naquele lugar, nunca tinha visto nenhum outro humano. Mas ele estava ali!!! Olhou para ele atentamente de cima a baixo.
- Que se passa?
- Como vieste aqui parar? Quem és e como estás aqui? Responde-me!
Mário olhou-a nos olhos. Via admiração, determinação, ferocidade. Sorriu.
- Não sei do que falas. Sempre cá vim e acho que tenho tanto direito a cá estar quanto tu... Não devias descansar um pouco?
- Não desvies o assunto! Eu sou a única... Quero dizer... Acho que sou a única... Mas eu nunca vi outras pessoas!!
- Não?! Bom, e dizem os meus irmãos que eu sou anti-social...
Diana olhou para ele. Estava furiosa por não obter respostas... Mas começou a rir-se. Descontroladamente. Ele imitou-a. As leoas observavam os dois humanos à gargalhada enquanto eles se agarravam às barrigas. Olharam uma para a outra e sorriram ligeiramente.
Diana parou de rir e levantou-se subitamente. Sentiu-se observada. Olhou em volta. As leoas rosnaram para o vazio e fugiram.
Mário levantou-se também. Aquela sensação voltara. Algo o seguira e ele sabia que precisavam de fugir o quanto antes. Deu a mão a Diana.
- Que estás a fazer?
- A salvar-te. Outra vez.
Diana sentiu uma sensação estranha a percorrê-la quando ele lhe agarrou a mão. Como se estivesse a mergulhar o braço lentamente em água gelada, começou a sentir uma enorme vontade de correr, de fugir, o mais rápido possível. E foi o que fez.

6 de janeiro de 2011

Chapter IV - "Savior Or Servant?"

Mário dava voltas e mais voltas na cama.
Estava numa planície. O vento forte e quente quase o sufocava; suava em bico e tremia, não sabia bem porquê, mas também não importava. Sentia que devia correr em direcção ao vale; havia algo a fazer. Começou a correr, sem nunca olhar para trás, embora tivesse a sensação de estar a ser perseguido. Estar ali fazia-o sentir-se rápido. Muito rápido. Correu durante uns minutos e depressa alcançou o objectivo. Parou e olhou em volta. Leoas e lobos andavam por ali, banhando-se no luar eterno daquela planície. A esfera amarelada brilhava lá no alto, rodeada por milhares de pequenos pontos brilhantes, e era comum ver viajar naquele céu estrelas cadentes. Voltou a sua atenção para o bosque que se erguia e parecia subir pelo outro lado do vale até ao horizonte. Mais uma vez, um apelo intuitivo. Começou a andar lentamente, parando mesmo antes de penetrar o bosque para fazer uma vénia a três leoas com o dobro do tamanho normal que, há muito tempo atrás, lhe disseram mentalmente que deveria sempre mostrar respeito por aquele lugar ou seria comido vivo. Após o olhar permissivo das três, entrou no bosque e recomeçou a correr. Sentia pressa, ansiedade. Corria cada vez mais rápido, desviando-se das árvores com agilidade e destreza. Estava a chegar; sentia-o. E a sua velocidade era tal que quase se sentia voar... Talvez mais um pouco... E de repente parou. Ali estava, uma grande quantidade de nevoeiro branco. Olhou para o chão e viu pequenas borboletas cor de prata. Mortas. À volta da neblina, duas leoas, uma de cada lado, aproximaram-se dele com os olhos a faiscar. Pôs rapidamente um joelho no chão, como se estivesse na presença de uma rainha, e esperou. A longa cauda de uma delas tocou-lhe na testa, e "falou-lhe".
"- Deves salvar a pessoa que está no fundo desta lagoa. Não deves temer que te aconteça o que está a acontecer com ela: estarás protegido pelas nossas almas. Mas se não a salvares, o mesmo destino se abaterá sobre ti, e nem mesmo a nossa protecção te salvará.".
Mário abriu os olhos. Levantou-se, respirou fundo e saltou.

A água estava quente. Parecia ferver, mas não queimava. Começou a nadar cada vez mais fundo até que a água se começou a tornar vermelha. Vislumbrou algo no fundo; alguém. Foi ao seu encontro, e algas negras apareceram à sua volta. Não lhe tocaram, mas teve a sensação que estavam à espera de algo para o agarrar. Quando estava a aproximar-se, outra pessoa apareceu no fundo... Mas esta era diferente. Estava nua, pálida, morta. A rapariga que estava presa começou a parar de se debater, e a outra a erguer os braços. E de repente ele percebeu. Alcançou-as e puxou a jovem emaranhada nas algas pretas. Nadou o mais que pode, mas era muito peso. Imaginou-se a correr pelo bosque, a fugir de algo ou alguém.
Atingiu a superfície. A rapariga estava inconsciente e ele estava exausto. Puxou-a para fora e tentou reanimá-la. Nada. Insistiu durante dez minutos, observado pelas duas leoas, até que ela começou a espirrar água e a tremer de frio. Olhou para cima a agradecer aos céus, mas não via nada através daquela neblina. Apenas uma coisa importava: estavam salvos.

Chapter III - "Lake Butterfly"

A falésia subia metros e mais metros, quase a arranhar o céu estrelado. O 'Vértice', como Diana lhe chamava, era o seu sítio preferido naquele mundo. Era, aliás, a porta de entrada para aquele mundo, portanto nunca deixava de passar por lá, mesmo que não quisesse. Mas o que era mais especial acerca daquele sítio era ser uma falésia habitada, e apenas por felinos selvagens. Pumas, chitas, tigres, leões (por algum motivo as leoas mantinham a distância daquele lugar) e um único leopardo, completamente branco. Há muito que os observava, e por isso Diana percebera que todos eles agiam como uma matilha de lobos, em que o leopardo branco ocupava o lugar de incontestável líder. Com olhos prateados e quase dois metros de comprimento, ostentava um ar feroz, parecendo sempre pronto a atacar. Mas nunca atacara Diana. Não se aproximava, observando-a de longe, atentamente. De início, metia medo, mas depois de anos a habituar-se, Diana já por ali passava como se passeasse num jardim.
Naquela noite, lá estavam eles. Dois leões guardavam a fissura na rocha onde o leopardo descansava, e um tigre podia ser visto a rondar uma área mais rochosa, um pouco afastada dali. Diana saiu de dentro da pedra de cerca de dois metros de altura que ligava os dois mundos, e andou em direção à floresta que se erguia a alguns metros dali. Não havia praia, nem areia, nem sítios por onde passear. Era apenas uma grande rocha, rodeada pelo horizonte e pela relva que a ligava à floresta. Diana sorriu aos leões e avançou para as imponentes árvores, que pareciam chamá-la. Centenas de pinheiros e eucaliptos erguiam-se muito alto, mas havia ali um trilho na terra, talvez feito por ela mesma com o passar dos anos. Percorreu-o, como fazia todas as noites, até chegar ao lago. Sempre que o visitava, estava envolto em neblina intensa e um forte cheiro a terra molhada numa tarde de verão. A brisa que ali passava parecia não ter efeito na névoa, embora as árvores, e os cabelos de Diana dançassem ao som daquela música muda e fria. Para além das leoas, que pareciam viver numa clareira ali perto, ela parecia ser o único ser vivo a caminhar naquele chão, dado que os restantes habitantes eram aves noturnas.
Chegara. A névoa branca e brilhante lá estava, a pairar como se fosse uma nuvem, e ao seu redor as borboletas de prata voavam freneticamente, alertanto-se a si mesmas da presença de Diana. Ignorando-as, Diana mergulhou no lago, ansiosa para saber o que iria ver naquela noite. Todas as noites via algo diferente, algo fantástico, revelador... E então algo estranho aconteceu. A água, apesar de temperatura moderada, começou a fervilhar furiosamente; bolhas de ar vinham rapidamente rebentar à superfície, e algas negras apareceram no meio da água, enrolando-se aos braços, pernas e pescoço de Diana e começando a apertar. A água ficou vermelha, e das profundezas do lago ergueu-se um corpo de rapariga. Incólume, pálido como um tecido banhado em lixívia, foi subindo até estar de frente para Diana, e então abriu os olhos e deles saíram lágrimas negras. A sua expressão era de pura tristeza e parecia pedir ajuda, mas Diana não a podia ajudar: estava a afogar-se, as algas apertavam-na cada vez mais e o ar estava a acabar. Começou a perder os sentidos. Apesar de estar a morrer, pensou ela, não pôde deixar de reparar numa mancha branca que acabara de surgir ao lado daquela rapariga. Talvez a morte vestisse a cor da pureza, apesar da escuridão do seu destino...

5 de janeiro de 2011

Chapter II - "Sleeping Stars Bring Wonderful Beasts"

Diana sempre gostara de observar as estrelas antes de ir dormir, mas era já a incontável noite consecutiva em que não o fazia. Trabalho, cansaço, necessidade de se manter ocupada para não começar a pensar. Havia lido num qualquer livro de auto-ajuda da sua irmã mais nova que "para manter um corpo são deve encontrar-se o equilíbrio emocional entre a alma e a mente". Por norma não acreditava muito nas coisas que os escritores diziam acerca disso, mas desta vez isso tinha feito algum sentido. Então, seguiu o único passo para que se sentia preparada: dar prioridade ao corpo mantendo-o ocupado, enquanto deixava em stand-by a alma e a parte da mente que imaginava as coisas. O seu maior obstáculo acabava por ser à noite, quando dormia. Enquanto o corpo descansava, a alma e a mente deliciavam-se com a perspectiva de liberdade que se lhes abria com a chegada da irmã mais velha do Dia. No caso de Diana, ambas mente e alma voavam para lugares longínquos e perigosos, onde nunca uma alma se devia aventurar. Lugares esses, repletos de medos, seres, paixões que aliciavam as almas mais especiais a visitar os seus jardins proibidos...
Enquanto criança, sonhar sempre fora algo que ansiava todos os dias. Assim que a manhã chegava, começava imediatamente a pensar com o que será que iria sonhar na noite seguinte; era um ciclo vicioso de sonhos e magia que lhe preenchia as noites e lhe alimentava a mente, e por isso Diana tivera uma infância feliz, embora solitária, já que mais nenhuma criança era como ela. As outras meninas raramente se lembravam do que sonhavam, se sonhavam sequer, e à medida que foram passando os lentos anos de infância Diana encontrou-se rodeada de conhecidos e colegas de escola, mas nunca de verdadeiros amigos. Não podia partilhar os seus sonhos com ninguém sem se sentir absurda, e muito menos esperar que acreditassem nela.
E embora a morte da jovem rapariga de cabelos negros tivesse sido terrível, algo naquela jovem e naquela tarde fez com que se tornasse mais lúcida sobre tudo. Todos os seus sonhos a partir da noite que se seguiu ao suicídio se haviam tornado mais claros, mais reais. Mas, também, um pouco mais perigosos. E principalmente nesta noite, em que Diana conseguiu ir observar as estrelas mais uma vez antes de ir dormir, estava-lhe reservada uma visita muito especial...
"Welcome, my dear Leopard."