20 de dezembro de 2010

Capítulo I - "Text Me When You're Dead"

Tinha cabelos loiros. Longos, ondulados, bastos. E muito, muito loiros. Quase como se fosse sempre Verão naqueles cabelos. E tal como nos dias de Verão, às vezes chove, e a cor dessa chuva estava representada por aqueles olhos grandes e cinzentos. Profundos, cheios de cicatrizes imaginárias deixadas por sonhos mortos. Nos seus lábios havia uma permanente ameaça de agressividade; o seu famoso 'talk-back' deixara já miúdos e graúdos sem resposta.
Naquela tarde fria, Diana estava na esplanada de um café. Escrevia um relatório sobre a importância do uso das canetas de tinta permanente em cartas de teor profissional; o seu emprego concedera-lhe a função de 'Escritora de Relatórios', função que ela achava inútil. Não havia nada como a possibilidade de alimentar a imaginação e dar à luz ideias de arquitectura. Claro, isso, e sonhar.
Olhou em redor e observou os clientes. Do seu lado direito, a duas mesas de distância, duas senhoras com idade para serem avós de adolescentes conversavam animadamente sobre os cursos de faculdade dos seus netos, gabando-se da Medicina e do Direito que iam passar a fazer parte do já por si extenso histórico académico das suas famílias, enquanto beberricavam os seus chás de baunilha: iguaria que Diana nunca apreciara verdadeiramente, mas que as "avózinhas" daquela cidade pareciam considerar indispensável. No lado oposto da esplanada, a um canto, estava sentado um rapaz de ascendência africana. Francamente belo, não pôde Diana deixar de reparar. Cabelo curto, olhos verdes em forma de amêndoa, um piercing no sobrolho esquerdo. Estava com o seu portátil, e escrevia freneticamente. Usava uma camisola fina e tinha o casaco de cabedal preto vestido. A determinado momento, provavelmente sentindo-se observado, elevou o olhar na direcção de Diana. Fitaram-se durante uns segundos, ele sorriu e voltou ao que estava a fazer. Diana sorriu pra si mesma, mas não demonstrou o mínimo interesse daí para a frente. Continuou a observar a esplanada e apenas mais uma pessoa se encontrava ali: uma rapariga, provavelmente nos seus 20 anos, de cabelo negro preso numa longa trança e olhos negros como carvão. Olhava para o telemóvel que tinha na mão com uma expressão de doentia ansiedade enquanto tamborilava com as unhas da mão esquerda na mesa. Parecia aflita e receosa, a ponto de desatar a chorar a qualquer momento. O telemóvel da rapariga anunciou a chegada de uma mensagem escrita, que ela prontamente leu. Devia conter um longo texto, pois Diana conseguia ver os seus olhos a dirigir-se repetidamente da esquerda para a direita a uma velocidade alucinante, e à medida que lia, os seus olhos de carvão pegavam fogo e iam abrindo mais... Até que chegou ao fim. Por momentos parecia ter sido congelada no tempo, com o telemóvel na mão e a morder o lábio inferior. Intrigada, Diana esperou. Nada. A rapariga parecia empalhada, como o seu avô fazia com os maiores peixes que pescava. Aquela expressão de receio, de medo confirmado, de dor. Lentamente, a rapariga levou a mão até à cadeira do seu lado direito e mexeu na mala. Por breves segundos, Diana questionou-se. Mas mesmo antes de ver o que era, já o sabia. Muito rapidamente, a rapariga encostou o cano da arma à garganta, apontando para cima. E disparou.

2 comentários:

  1. Margarida Barbosa20 dezembro, 2010 17:10

    Normalmente quando olho para longos textos não costumo lê-los, muito menos de pessoas conhecidas. Mas a partir do momento em que comecei a ler o texto fiquei completamente agarrada e não resisti ler até ao fim. Está absolutamente fascinante.

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  2. BANG!!!!

    a surpresa é o elemento que determina a ligação do leitor ao objecto, aki o mais interessante é mesmo a espontaneidade com que aparece:) excellent!!
    se ela não surgir, ou nao aparecer espontaneamente não vale a pena forçar.. soa a falso.. e aki, ainda que num tom surrealista, a história cheia a verdade lololololol

    go!

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