24 de março de 2010

Cap. VI - Olhos da Verdade


Guilherme chegou a casa por volta das 15h. Catarina estava sentada em frente à secretária da sala, a ler. Sentiu o ar pesado a pressionar-lhe a alma, o que lhe deu motivos para respirar fundo e chamar a si toda a calma do mundo. Aquela seria uma conversa complicada mas, na pior das hipóteses, discutiriam apenas durante umas horas. Pousou o saco de viagem e o casaco preto que tivera de comprar em França para o funeral da sua avó, dirigiu-se a ela e beijou-a. Beijo retribuído, Catarina levantou-se e pôs-se de frente para ele.
"-Temos que falar." disse ela, acorrentando o seu olhar ao dele.
"-Eu sei. Antes de mais, não quero que retenhas nada sobre o que tenhas a dizer só porque vim do funeral de um familiar. Eu e ela não éramos muito chegados, e sabes tão bem quanto eu como ultrapasso rapidamente perdas desta gravidade.".
Catarina anuiu. Sentia-se pessimamente por fazê-lo ter uma conversa tão séria dado os recentes acontecimentos familiares, mas não podia adiar, ou a situação tornar-se-ia uma ferida que jamais fecharia.
"-Explica-me exactamente por que é que, ao te querer encontrar a ti, me deparei primeiro com aquelas sombras.".
"-Isso é o ponto mais perigoso desta conversa," disse Guilherme, sentando-se "e poderá deixar-te furiosa, mas peço-te que sejas receptiva à minha explicação. O motivo pelo qual isso aconteceu foi o facto de eu ter estado naquele lugar breves momentos antes de apareceres. Senti uma presença e materializei-me noutro sonho completamente aleatório, e quando dei por mim estava completamente rodeado de sombras animalescas. Usei as luvas preciosas e quando consegui escapar já só tive tempo de me materializar de novo no beco e gritar-te que fugisses."
Catarina sentou-se ao lado dele no sofá.
"-Mas não percebo... Como é que te apercebeste finalmente que era eu quem estava no beco se ao início fugiste? E ainda não entendi por que é que achas que me iria zangar, não me contaste nada de grave."
"-O que aconteceu foi que eu me apercebi logo ao início que quem estava a entrar no sonho do beco eras tu, e senti também que o estavas a fazer através da névoa... Tentei levar-te para um local que não aquele, para que não fosses atacada por eles. Parece que não fui suficientemente rápido, e tu acabaste por lá ficar na mesma."
"-Mas o que estavas tu lá a fazer? E quem eram eles?"
"-Ainda estamos a tentar perceber quem são. Eu e o Rodrigo estávamos lá, mas ele evaporou uns momentos antes de eu sentir a tua chegada, e ainda não consegui comunicar com ele de forma adequada. Sei apenas que está bem. Quanto ao resto, a única coisa que te posso afirmar é que os Sombras que lá estavam são definitivamente pessoas que conhecemos, porque pela forma como falavam de nós deu para perceber que nos conhecem muito bem. Pelo menos o que te atacou tem que ser alguém muito próximo."
A sombra que a atacou... Aqueles olhos estrelados que a aterraram, que a deixaram sem ar e a encheram com uma sensação de pânico e desespero.
"-Os olhos da verdade" começou Guilherme, "são das armas mais temidas do mundo dos sonhos. Se te fixarem por tempo suficiente, podem apoderar-se da tua consciência e destruir a tua alma. É das poucas formas conhecidas de um Sonhador se apoderar do corpo de outra pessoa. Podem inclusive sair completamente do seu corpo actual e permanecer no corpo roubado, por tempo limitado ou ilimitado, e por isso, apenas dois Sonhadores possuídores de Olhos da Verdade em toda a História que nos ensinaram foram eliminados por outros Sonhadores."
Catarina levantou-se e resolveu falar de tudo.
"-Havia um gato. Parecia-me familiar."
"-Um gato?". Guilherme levantou-se e começou a andar pela casa, com Catarina a segui-lo. "-Tens a certeza? Eu não me lembro de nenhum gato... Como era?"
Ela descreveu-o o melhor que pôde, sem se esquecer de mencionar os pêlos-agulha após o salto do animal para os caixotes empilhados no beco.
Parado no meio do quarto, Guilherme virou-se para Catarina e olhou-a nos olhos.
"-Esta noite vamos lá voltar. Esse gato intriga-me, e gostava de descobrir mais. Vou ligar ao Rodrigo."
Catarina recordou os olhos estrelados e engoliu em seco. Não sabia bem porquê, mas tinha a certeza que iriam ser reveladas mais peças do enigma. Seguiu Guilherme, enquanto o fio de pêlo do gato de olhos prateados se tornava afiado e recto como uma agulha e caía da sua manga, só para aterrar silenciosamente no tapete. Em alerta.

1 comentário:

  1. sonho vs realidade..

    bem que posso dizer lol cá aguardamos, curiosos, a conclusão deste enigma que começa a ficar bem misterioso..
    :)

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