7 de maio de 2011

Espelho meu.

Uma mistura de aromas acordou-me.
Abri bem os olhos e olhei em volta. Um temporal rebentava lá fora, e pelas persianas entrava uma tímida e cinzenta claridade, acompanhada do som da chuva a atirar-se contra o chão de calçada. Ainda enrolado nos cobertores, virei-me para o outro lado e espreguicei-me; uma sensação de conforto apoderou-se de mim e senti-me adormecer novamente.
Uma explosão vinda da rua despertou-me de vez. O temporal não estava de brincadeira, e aquele trovão parecia ter rebentado mesmo por cima de mim. Ignorando-o, olho em volta para o meu quarto.
Nada ali dizia quem sou. Nem os livros, nem os perfumes, nem os cd's de música, nem os filmes. Nada. Nada me diferenciava de um qualquer outro jovem de vinte e dois anos. Tinha amigos, tinha família. Tinha perfis em redes sociais, telemóvel, computador. Só não tinha o amor, o que me deixava ainda mais idêntico aos outros. Vivia num século em que a crise se abatia sobre o País, em que o emprego e a escola eram quase um luxo, em que o normal era não ser diferente. Era ser igual a toda a gente. Era ser comum, vulgar, um ser humano medíocre visto com olhos de indiferença.
Mas não. Algo em mim me distinguia dos outros. Creio que alguém já descobriu o quê, mas eu não. Vejo-me ao espelho e vejo também mil outras caras, mil outras vidas, ao todo mil e um seres perdidos numa era de medos e ignorância, onde vale menos uma boa atitude que um golpe de ganância.
Queria partir o espelho... Mas sempre me disseram que dava azar.

1 comentário:

  1. Aqui transmites em palavras o que muitos sentem :)
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