31 de maio de 2011

No Mundo Cor de Manteiga

Não dormi. Passeei, vagueei, perdi-me numa realidade paralela em que o mundo estava virado do avesso. Observei, embasbacado, o que a chuva revelava nas pessoas. Ganância, inveja, ciúme, podridão. Uma sombra que resistia mesmo sem haver luz possível que a fizesse nascer. Desilusão que me consumiu, deu lugar a uma tristeza profunda e a um 'é pena...', dito com mágoa e dor. Decidi refugiar-me no meu próprio mundo, envolvido em três diferentes atmosferas, e fui parar ao continente mais antigo.
Sentei-me de olhos fechados. Não tinha coragem de os abrir, mas o cheiro a limão aliciava-me a ver o que me rodeava, e assim que os abri, sorri. Um mundo cor de manteiga dava-me as boas vindas. Borboletas de neve, grandes como a palma da minha mão, voavam por ali, pousando de rosa amarela em rosa amarela, e nos limoeiros flutuavam grandes limões, maiores que bolas de ténis. Esquilos dourados e algumas pombas castanhas estavam numa clareira ali perto, onde um imenso labirinto feito de sebes de jardim se erguia pelo menos uns dois metros acima de mim. Dele, brotavam pequenas flores, e reparei em duas grandes cobras azuis que serpenteavam à entrada. Enquanto caminhava, sentia-me cada vez mais feliz. Uma felicidade como há muito não sentia; um auge de contentamento, de alegria. Sentia-me eufórico, quase como que prestes a rebentar em mil luzes! O céu, azul claro com tons de cor de pêssego, brilhava intensamente, e parecia haver cada vez mais borboletas de neve a voar por ali. Quando cheguei bastante perto da entrada, as serpentes ergueram metade do corpo e comecei a ouvir uma música de fundo. Instrumental, a roçar o clássico; uma música sem nome nem identidade escondida na minha mente. E a serpente da esquerda falou-me. Perguntou-me o nome e ao que vinha, e eu disse o meu nome e não disse mais nada. A serpente esperou, e o tempo passou, e ficou de noite. A lua cheia brilhava lá no alto, as estrelas piscavam e havia corujas e morcegos a voar de quando em vez. Passou toda a noite, e as serpentes esperaram enquanto eu pensava na segunda parte da resposta. Amanheceu e eu respondi "De facto, não sei.", e as serpentes responderam juntas "A resposta está correcta." e desfizeram-se em areia azul. Entrei no labirinto, e um cheiro intenso a naftalina acariciou-me o nariz. Virei à esquerda, à direita, à direita outra vez, fui em frente e encontrei uma escadaria feita de cordas de nylon preto. Subi as escadas e uma recordação esperava-me, de pernas cruzadas, no topo da sebe mais alta. Ali me sentei com ela, a rir, enquanto as borboletas de neve se transformavam em vidro, as corujas caçavam serpentes azuis, os esquilos lutavam com as pombas e eu começava a cair, muito devagar, até ao sítio onde adormecera.

14 comentários:

  1. Fico muito contente por saber que gostas-te do que leste *
    Obrigada .

    Este texto está lindo !

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  2. Uma viajem em pêras! Demonstra que a nossa imaginação também é sentida. Gostei!

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  3. Adoro :D
    Está muito bom, leva-nos a pensar muitas coisa!!!

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  4. Parabéns pelo excelente texto. Muito simples, directo, capaz de pôr qualquer coisa a passear contigo por esse mundo fora. Continua.

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  5. Adorei! :D
    Continua a escrever, sabe bem ler o teu blog :)

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  6. Continua que eu quero ler mais ;)

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  7. O mundo dos sonhos é capaz de tudo ;)
    Bom texto, gostei bastante

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  8. Espantoso, a imaginação é o único limite para o mundo perfeito.
    Gostei do que li, e a forma como descreves o que vês ;)
    Keep up the good work! :)
    Bjoka** Tatá

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  9. Foi inteligente da tua parte teres terminado o texto aí. Ainda estou a tentar descobrir, a partir da primeira parte do texto, o que representa a «recordação». Continua. ~R.

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  10. já não é a primeira vez que venho aqui. Não me surpreendeu a criatividade da tua escrita. Regressarei mais vezes. Abraço

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  11. Um grande obrigado, Fábio! Abraço.

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  12. muito bom o seu texto, bastante inspirador e sincero. parabéns!

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  13. obrigado pelo comentário, sinta-se adicionado ao meu blogroll. abraço!

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  14. well done. No, really, congratulate yourself. Se todos e cada um de nós conseguisse exprimir-se assim, acho que para além de mais ciente, estariamos mais perto de sermos felizes... Não nos podemos é deixar levar pelos nosso próprios desejos...

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