4 de dezembro de 2011

Regressar - parte 02,5 - Acordar

Aquela sensação fria e suave... Abriu os olhos. Estava de volta à sua cama, ainda com a almofada por cima da cabeça, mas algo estava diferente. Levantou a cabeça e pestanejou várias vezes.
O quarto parecia ser outro. Aliás, era outro. A cor escura a que se habituara nas paredes dera lugar a um cor-de-laranja cheio de vida que parecia sorrir, feliz. Tinha agora não uma mas três estantes cheias de livros dos mais variados temas alinhadas ao longo de metade da parede. Um suave cheiro a doce de limão entrava pela janela, acompanhado por melodias entusiásticas do que parecia ser um diálogo entre dois canários. Ao lado do roupeiro enorme estava um skate, e a meio da divisão uma poltrona, posicionada de frente para a janela. Se se sentasse nela naquele momento, ficaria completamente banhado pela luz do pôr-do-sol. A cama era grande como sempre fora, mas era diferente. Era macia e convidativa ao sono, o que fez Tomás deitar de novo a cabeça na almofada e espreguiçar-se, como quem acorda de uma longa noite de sonhos. Na mesa de cabeceira estavam uns óculos. Tomás esticou a mão para os agarrar, mas a cabeça doeu-lhe repentinamente. Dezenas de pontadas picavam-lhe a parte de dentro da cabeça, como se tivesse um ouriço-cacheiro de patas para o ar dentro do crânio. Via imagens a passar em frente aos seus olhos, recordações de que não se lembrava, memórias que não sabia ter vivido, medos que não conhecia e desejos que não desejara até àquele momento atravessaram-no, literalmente, de um lado ao outro; sentia uma corrente de ar frio a passar através do seu peito, do seu pescoço e da sua cabeça, e ficou tonto. Enterrou a cabeça na almofada e encolheu-se, sustendo a respiração durante uns segundos. Depois, respirando fundo várias vezes, levantou o dorso da cama e sentou-se, sem deixar os pés tocarem no chão. Instintivamente, pôs os óculos e olhou em seu redor.. Via agora tudo muito melhor, mas mesmo assim não percebia o que se passava. Estava no seu quarto, mas ao mesmo tempo sentia estar no sítio errado. A grande janela deixava entrar tantos raios de luz do pôr-do-sol, e isso transmitia-lhe uma sensação de tranquilidade imensa. Dirigiu-se à porta, e o cheiro mudou. Agora cheirava intensamente a chocolate, como quando se assa um bolo de chocolate no forno. Aquele cheiro era-lhe familiar. Levantou-se rapidamente e saiu do quarto. Precisava de ver a mãe, de perceber o que se passava, de saber que estava tudo bem... E parou a meio do corredor. E que belo corredor. Mas que casa era aquela, que lhe era tão familiar, e ainda assim, tão estranha? Vasos com plantas, belos quadros pendurados nas paredes, paredes essas decoradas com um belíssimo papel de parede de cor creme. À sua frente, um enorme espelho mostrava-lhe uma pessoa que não conhecia. Aproximou-se, e a pessoa do outro lado imitou-o. Virou a cara, e a pessoa fez o mesmo, e Tomás sentiu-se congelar de desespero. Estava completamente diferente! Cabelo loiro, olhos verdes, barba! Estava alto; demasiado alto para um menino de onze anos.
Mas por que estava a pensar nisso? Tinha vinte...
Não, tinha onze.
Vinte!

As vozes na sua cabeça não paravam. Não sabia quem era, nem por que o era, nem quando o era. Sentia-se ali mas não o estava, e simultaneamente não tinha como não estar. Olhou fixamente em frente: um espelho não mente.


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