26 de maio de 2011

A Menina de Cabelo Azul

No meio das montanhas mais longínquas, onde sempre fazia frio, vivia uma menina com os seus pais. Essa menina nascera com o cabelo azul aos caracóis e olhos da cor do fogo, uma mistura de vermelho e cor-de-laranja. Chamava-se Yara, que na tradição indígena significa "mãe da água".
Yara era uma menina muito sorridente. Era feliz, pois o seu pai fazia a sua mãe sorrir, e ela sentia um calor no peito quando a sua mãe sorria. A sua mãe não falava, mas podia ouvir, pois olhava quando Yara chamava. Com um simples olhar, Yara percebia o que a mãe precisava e trazia-lhe, pois além de não poder falar, não podia andar também. O seu pai explicara-lhe que um dia, há muito, muito tempo, caçadores em busca de algo muito raro haviam atacado a aldeia onde eles viviam pacificamente com os restantes membros da tribo, matando vários dos seus membros. Um deles fizera um grande mal à mãe de Yara; um mal que ela não podia compreender, mas que sentia ser algo terrível. Depois desse mal, à mãe de Yara fora cortada a língua. Estivera meses em estado muito grave, mas o ancião da tribo, que conseguira sobreviver, viera do seu esconderijo e preparara uma pomada de plantas e sementes que aplicou no interior da boca da mãe de Yara. No dia seguinte, as dores haviam passado, a ferida estava completamente cicatrizada e ela já conseguia comer decentemente, mas ficara permanentemente incapacitada de falar. Por não poder falar nem gritar, não pode pedir socorro quando uma tarde, já Yara era nascida, ela voltava do rio e fora atacada por uma hiena. O animal, sedento de sangue e comida, atacou-a na barriga e rasgou-lhe as costas, tornando-a assim incapaz de andar também.
E foi assim que Yara aprendeu que os homens podiam ser bons, como o seu pai, que fazia sorrir a sua mãe todos os dias, e como o velho ancião, que curara os seus ferimentos, e podiam ser maus como os caçadores que haviam trazido tamanha má sorte à sua tribo em nome da sua ganância, e que haviam feito tanto mal à sua mãe.
Por ser uma menina com aparência diferente do vulgar, os habitantes das aldeias vizinhas olhavam-na de lado quando ela ia com o pai. Não havia ninguém que não desviasse o olhar quando ela se aproximava, mas todos cochichavam quando se encontravam já longe. Todos, menos uma menina de cabelos da cor do sol. Ouvira uma manhã uma senhora de certa idade chamá-la de Helga. Helga devia ter a sua idade, ou talvez um ano mais velha, e vestia roupas de boa qualidade. Tinha longos cabelos lisos e dourados, as bochechas rosadas e uns olhos de um azul celeste magnífico. Chamavam-lhe a "Princesa dos Deuses", pois tinha os traços de uma figura divina, e dizia-se que conseguia prever o futuro. Sabia quando se aproximava uma tempestade de gelo, um temporal, animais selvagens esfomeados, ventos fortes e vendedores ambulantes. Avisava as pessoas para que tomassem as devidas precauções em relação às suas colheitas quando pressentia que estas iriam ser destruídas, e sabia quando alguém começava a ficar doente sem que a própria pessoa se apercebesse da doença.
Helga era orfã de pai, e a sua mãe era dona de um bar de convívio de uma das aldeias. O 'Olho Divino' era um bar muito apreciado por todos os habitantes daquela região, pois a cerveja era da melhor qualidade e a preços não muito elevados.
Era, então, a única que não cochichava nem apontava o dedo. Helga olhava para Yara com curiosidade, uma certa ingenuidade até. Sorria suavemente quando cruzava o olhar com o de Yara, mas esta, não habituada ao contacto visual com outras pessoas que não fossem os seus pais, não sabiam como retribuir. Um dia, resolveu sorrir de volta, e apercebeu-se que não sabia como o fazer sem ver primeiro a sua mãe sorrir.

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