24 de novembro de 2011

Mistérios Da Vida - I

Laura, nas suas botas pretas até ao joelho e vestido azul escuro curto, vagueava pelas ruas lisboetas mais movimentadas àquela hora avançada da noite, de cabelos ao vento e gabardina esvoaçante. Subindo a calçada, sentia os músculos a latejar devido a ter passado a noite a andar de um lado para o outro, sem destino, apenas à procura de... Nem ela sabia bem o que ansiava encontrar. Apenas se sentia perdida, desolada, sozinha. Sentia o olhar das pessoas, dos turistas, dos jovens universitários que passavam por ela e a assobiavam, gabando o seu porte feminino, a sua silhueta perfeita, o seu longo cabelo ruivo encaracolado, os olhos de um azul-água vivo, a cara de contornos que favoreceriam qualquer uma. Mas Laura não fazia caso dos piropos nem dos assobios. Queria apenas desaparecer... Evaporar no ar frio da noite, como o fumo do cigarro que fumava desde que começara a subir a avenida.
Com o cigarro no fim, atirou-o para a estrada pelo meio dos carros que passavam e virou para uma rua secundária. Estava no Bairro Alto que, àquela hora, estava a dar as últimas. Saltando de rua em rua, passou por um estrangeiro que a começou a seguir, e acelerou o passo. Os saltos não a ajudavam a caminhar rapidamente naquela calçada antiga, e por isso decidiu virar para uma rua sua conhecida e esconder-se num beco cuja entrada passava despercebida. Oculta nas sombras, viu o homem de cabelo muito loiro e olhos azuis passar rapidamente por ela sem sequer se aperceber da sua presença, e desaparecer na escuridão da cidade. Sentou-se no chão e abriu a mala. Com a seringa na mão, começou a rever a sua vida. O som dos gritos da sua mãe assaltou-lhe o pensamento, e tremeu de mágoa. Não fora desejada como filha, não fora amada como familiar, não fora querida como companheira. Órfã de pai desde que nascera, sentira sempre a ausência de uma presença masculina que a protegesse, que a orientasse, que a aconselhasse. Não sentia que tivesse feito alguma vez algo de útil por quem quer que fosse; sentia pelo contrário que a sua existência havia passado despercebida pelo mundo. Homens vis e cruéis haviam-se aproveitado da sua ingenuidade juvenil, e agora ali estava, como uma linda mulher de vinte e seis anos, sentada num beco, viciada em drogas pesadas, desesperada por encontrar uma porta de saída... Só queria ser feliz.

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