6 de janeiro de 2011

Chapter III - "Lake Butterfly"

A falésia subia metros e mais metros, quase a arranhar o céu estrelado. O 'Vértice', como Diana lhe chamava, era o seu sítio preferido naquele mundo. Era, aliás, a porta de entrada para aquele mundo, portanto nunca deixava de passar por lá, mesmo que não quisesse. Mas o que era mais especial acerca daquele sítio era ser uma falésia habitada, e apenas por felinos selvagens. Pumas, chitas, tigres, leões (por algum motivo as leoas mantinham a distância daquele lugar) e um único leopardo, completamente branco. Há muito que os observava, e por isso Diana percebera que todos eles agiam como uma matilha de lobos, em que o leopardo branco ocupava o lugar de incontestável líder. Com olhos prateados e quase dois metros de comprimento, ostentava um ar feroz, parecendo sempre pronto a atacar. Mas nunca atacara Diana. Não se aproximava, observando-a de longe, atentamente. De início, metia medo, mas depois de anos a habituar-se, Diana já por ali passava como se passeasse num jardim.
Naquela noite, lá estavam eles. Dois leões guardavam a fissura na rocha onde o leopardo descansava, e um tigre podia ser visto a rondar uma área mais rochosa, um pouco afastada dali. Diana saiu de dentro da pedra de cerca de dois metros de altura que ligava os dois mundos, e andou em direção à floresta que se erguia a alguns metros dali. Não havia praia, nem areia, nem sítios por onde passear. Era apenas uma grande rocha, rodeada pelo horizonte e pela relva que a ligava à floresta. Diana sorriu aos leões e avançou para as imponentes árvores, que pareciam chamá-la. Centenas de pinheiros e eucaliptos erguiam-se muito alto, mas havia ali um trilho na terra, talvez feito por ela mesma com o passar dos anos. Percorreu-o, como fazia todas as noites, até chegar ao lago. Sempre que o visitava, estava envolto em neblina intensa e um forte cheiro a terra molhada numa tarde de verão. A brisa que ali passava parecia não ter efeito na névoa, embora as árvores, e os cabelos de Diana dançassem ao som daquela música muda e fria. Para além das leoas, que pareciam viver numa clareira ali perto, ela parecia ser o único ser vivo a caminhar naquele chão, dado que os restantes habitantes eram aves noturnas.
Chegara. A névoa branca e brilhante lá estava, a pairar como se fosse uma nuvem, e ao seu redor as borboletas de prata voavam freneticamente, alertanto-se a si mesmas da presença de Diana. Ignorando-as, Diana mergulhou no lago, ansiosa para saber o que iria ver naquela noite. Todas as noites via algo diferente, algo fantástico, revelador... E então algo estranho aconteceu. A água, apesar de temperatura moderada, começou a fervilhar furiosamente; bolhas de ar vinham rapidamente rebentar à superfície, e algas negras apareceram no meio da água, enrolando-se aos braços, pernas e pescoço de Diana e começando a apertar. A água ficou vermelha, e das profundezas do lago ergueu-se um corpo de rapariga. Incólume, pálido como um tecido banhado em lixívia, foi subindo até estar de frente para Diana, e então abriu os olhos e deles saíram lágrimas negras. A sua expressão era de pura tristeza e parecia pedir ajuda, mas Diana não a podia ajudar: estava a afogar-se, as algas apertavam-na cada vez mais e o ar estava a acabar. Começou a perder os sentidos. Apesar de estar a morrer, pensou ela, não pôde deixar de reparar numa mancha branca que acabara de surgir ao lado daquela rapariga. Talvez a morte vestisse a cor da pureza, apesar da escuridão do seu destino...

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